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quarta-feira, 13 de março de 2013

O preço que os “outros” pagam pelos nossos Saldos

A indústria têxtil é conhecida por não respeitar regras laborais internacionais. Cadeias de fornecimento obscuras e condições de produção muitas vezes desastrosas maculam a imagem do setor.
Helle Jeppesen
As 8 exigências mínimas que respeitam os padrões sociais (OIT)
Raramente os acidentes de trabalho se transformam em manchetes de jornal. Em novembro de 2012, porém, a morte de 112 pessoas no incêndio de uma fábrica de tecidos em Bangladesh foi noticiada em todo o mundo, causando indignação internacional com as condições de trabalho nas fábricas do país. Os operários do setor protestaram nas ruas da capital, Dhaka. Poucos meses antes, 250 tinham morrido em consequência do fogo numa fábrica de tecidos no Paquistão.
Nas duas fábricas eram produzidas mercadorias fornecidas para empresas de todo o mundo, inclusive alemãs. No Bangladesh, a cadeia de moda C&A mandava produzir camisas para vender no mercado brasileiro; e uma das empresas compradoras das mercadorias da fábrica incendiada no Paquistão era a cadeia de roupas baratas KIK, com 3.200 filiais em toda a Europa. Depois dos incêndios, tanto a C&A quanto a KIK afirmaram que contribuiriam para fundos de ajuda às vítimas e seus familiares.
Mínimo de justiça nas relações
Para a rede internacional Clean Clothes Campaign, este gesto das empresas pode ser simpático, mas não é suficiente. A "Campanha das Roupas Limpas" empenha-se em prol de melhores condições de trabalho na indústria têxtil.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) formulou exigências mínimas no tocante a padrões sociais, resumidas em 8 pontos: "não" (1) ao trabalho forçado, (2) à discriminação, (3) ao trabalho infantil, (4) além da liberdade de união dos trabalhadores em associações, (5) salários justos, (6) jornadas controladas, (7) condições dignas de trabalho e (8) relações laborais regulamentadas.
Mesmo na Europa, essas exigências não são todas cumpridas, acentua Bettina Musiolek, da rede Clean Clothes Campaign, que se especializou no Leste Europeu e na Turquia, onde as condições de produção injustas são muito difundidas.
"Os maiores problemas no Leste Europeu são os salários, as jornadas e a proteção do trabalho e da saúde. Na Turquia, ainda há o agravante da falta de liberdade de organização", diz Musiolek, salientando que nem mesmo dentro da União Europeia (UE) ou da Alemanha um salário mínimo justo é sempre coisa garantida.
Produção em países pobres
Christoph Schäfer, diretor do Departamento de Direito e Tributação da Confederação Alemã da Indústria Têxtil e da Moda, admite que, também na Alemanha, uma operária do setor não consegue necessariamente viver do seu salário. No entanto, tanto no seu país como em vários outros da União Europeia, as trabalhadoras são amparadas pelo Estado social. "Em último caso, o Estado é obrigado a contribuir. No caso da Alemanha, isso dá-se através de adicionais ou de benefícios sociais", diz Schäfer.
A pressão por preços mais baixos e a concorrência são enormes, disse: "A indústria têxtil é frequentemente acusada de optar pelos países onde a produção é mais barata. É verdade, pois a pressão para reduzir os custos é enorme. Mas quando a caravana da indústria têxtil passa, ela não deixa terra queimada para trás. Normalmente, é através dela que o bem-estar e outras indústrias chegam a um país", diz o representante da indústria têxtil.
Inegável é que a produção de produtos baratos se dá nos países mais pobres do mundo. Quem fabrica ofertas especiais para os saldos dos países industrializados, não precisa de trabalhadores qualificados nem de máquinas caras. Porém as consequências da "caça às pechinchas" dos países ocidentais vão mais longe: entre as vítimas, estão as condições dignas de produção nas fábricas. Não se poupa só nos salários, mas também na prevenção de incêndios e condições de saúde, assim como nos contratos de trabalho pouco justos.
Barato graças à exploração
Uma camisa produzida de maneira justa não pode chegar ao consumidor por meros 3 euros, acentua Rolf Heimann, da empresa alemã de moda Hess Natur. "Da plantação do algodão no campo, passando pela tecelagem, costura, tintura, confeção, até a chegada ao comerciante, e em cima disso ainda os 19% de imposto sobre o produto, isso jamais seria possível", declara o responsável da Hess Natur pelo setor de Responsabilidade Empresarial.
A fabricante alemã produz desde 1976 roupas ecologicamente corretas e há mais de 10 anos empenha-se pela maior sustentabilidade social na cadeia de fornecimento. A partir de 2005, como primeiro membro alemão, a empresa passou a fazer parte da Fair Wear Foundation, uma rede internacional de fabricantes têxteis e sindicatos. A organização é financiada pelas contribuições dos seus membros e entende-se sobretudo como consultora no processo de implementação de padrões sociais justos.
Imagem “fair”
"A indústria têxtil tem cadeias de fornecimento muito complicadas. Há um grande número de fornecedores e empresas terceirizadas, e torna-se muito, muito difícil controlar todos esses caminhos da fabrico", diz Martin Curley, da Fair Wear Foundation, cuja sede fica em Amsterdão. Por isso, a rede não concede nenhum selo garantindo ao consumidor que a mercadoria foi totalmente produzida sob condições justas.
Curley acentua que "simplesmente não é possível certificar que todo o estabelecimento fornecedor seja 100% justo". Segundo ele, é comum que as grifes da moda tenham centenas de fornecedores. Em muitos casos, as grandes do setor nem conhecem as empresas que trabalham para os seus fornecedores.
Por isso a Fair Wear Foundation vê como sua principal tarefa o acompanhamento contínuo das empresas no processo de melhoria das condições de trabalho. "É mais honesto dizer que as empresas que formam a rede se empenham pela melhoria dos padrões. Publicamos todos os anos um relatório social sobre elas, que os consumidores podem ver no nosso site. Um selo, não podemos garantir", completa Curley.
A rede é formada por 80 empresas, que vendem mais de 120 marcas em 80 países. A fundação controla ativamente as condições de trabalho em 15 países na Ásia, Europa e África. Nenhuma das empresas pertencentes à Fair Wear Foundation mandaria confecionar as suas mercadorias nas fábricas incendiadas no Paquistão e em Bangladesh.

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