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terça-feira, 12 de março de 2013

O EURO é um meio, não um fim, o fim são os cidadãos!

Os últimos números do Eurobarómetro mostram claramente o que, uns após os outros, os resultados eleitorais têm sugerido: atingidos pela crise, deixaram de ter confiança na UE. Depois de se ter salvo o euro, é preciso salvar a legitimidade da UE e, se possível, antes das eleições de 2014.
O euro precisava de duas coisas para se salvar: uma decisão política clara que pusesse fim às especulações sobre o seu futuro e um instrumento financeiro que tornasse essa promessa credível.
Em 2012, depois de vários anos de dúvidas, inabilidades e erros, os líderes europeus fizeram as duas coisas. Estas duas decisões tiraram o euro do precipício em que se encontrava e colocaram-no num caminho de estabilidade desconhecida nos últimos anos.
Da solidez adquirida pelo euro, pelo menos temporariamente, fala o muito reduzido impacto do caos pós-eleitoral italiano. Recordemos o choque que, em outubro de 2011, provocou a decisão de Yorgos Papandreu de convocar um referendo para validar ou rejeitar as políticas de ajuste ditadas pela troika; esse anúncio fez disparar alguns dos índices de incerteza com que os analistas financeiros trabalham para níveis mais altos do que os que se seguiram aos ataques do 11 de setembro nos Estados Unidos. A Itália é, sem dúvida, um caos, mas o euro resiste, pelo menos por enquanto.
UE vista com desconfiança
Mas o resultado italiano não fala da força do euro mas sim da debilidade política da Europa e indica uma crise de legitimidade que está a abrir perigosamente caminho de eleição para eleição. Os dados do Eurobarómetro, a sondagem de opinião que a Comissão Europeia elabora semestralmente, indicam claramente até que ponto a crise deteriorou a confiança dos cidadãos na União Europeia. Em países como Espanha, a confiança “líquida” na UE (um resultado a que se chega subtraindo a percentagem dos que não confiam da dos que confiam), em 2007, antes do início da crise, era de 42 pontos (65% confiavam e 23% não confiavam). No entanto, hoje, esse indicador transformou-se numa não confiança líquida de 52 pontos (72% não confiam e apenas 20% confiam). Uma queda estrondosa.
Este trajeto entre os 42 pontos de confiança para os 52 de não confiança obriga a uma reflexão profunda, especialmente num país tradicionalmente tão europeísta como Espanha. Na Grécia, na Irlanda, em Portugal, no Chipre, a UE é vista com uma desconfiança tão esmagadora como a que se observa em Espanha. Significativamente, no entanto, este auge da desconfiança na UE está a acontecer não apenas nos países devedores, mas também nos países credores ou em melhor situação financeira: na Alemanha, na Áustria, na França, na Holanda ou na Finlândia, as pessoas também não confiam na UE. Claramente, a desconfiança não é só em relação à UE mas também de países e cidadãos em relação uns aos outros. Na situação atual, todos parecem perder e ninguém ganha.
Sistemas políticos desgastam-se
Estamos, pois, perante um grave problema de legitimidade. O âmbito europeu, onde a identidade coletiva, os valores comuns e os procedimentos democráticos são ainda muito incipientes, a legitimidade veio, sobretudo, através do desempenho económico: quanto maior o crescimento económico, maior o apoio popular à integração europeia e vice-versa. Isso implica que a reserva de legitimidade do sistema, ao estar quase exclusivamente associada ao crescimento económico, é débil e tende a esgotar-se rapidamente em situações de crise.
É isso o que estamos a viver agora. Por um lado, apesar das políticas de austeridade poderem estar a ter êxito no que diz respeito ao controlo dos défices (mas não no que diz respeito à diminuição da dívida), não geram crescimento nem emprego, por isso não geram o apoio popular de que precisam para se manterem. E o que é ainda pior: ao forçarem, sistematicamente, os governos a violarem as promessas eleitorais que estiveram na base da sua eleição e a governarem com as mesmas políticas, independentemente da sua cor política, estão igualmente a minar a legitimidade dos sistemas políticos nacionais. Como vemos nos países sob intervenção, os sistemas políticos desgastam-se (como em Espanha e Portugal) ou decompõem-se (como na Grécia e em Itália). Enquanto isso, por outro lado, nos países credores, como também não há crescimento económico, a sensação dominante é que os países do Sul são um lastro pesado que absorve os seus escassos recursos e atrasa o seu progresso.
O euro sem os cidadãos não faz sentido
É com estes dados de desafeto e desconfiança muito deteriorados que a UE tem de contemplar uma integração política e económica imprescindível. O euro salvou-se, mas não sobreviverá a longo prazo sem uma união bancária que inclua mecanismos de resolução de crises e garantias de depósitos pan-europeus. Nem o conseguirá sem um orçamento que mereça tal nome, a mutualização da dívida e uma coordenação muito mais efetiva das políticas económicas.
Mas essas decisões requerem exatamente aquilo de que a Europa atualmente carece: confiança na UE e confiança recíproca. Para que a Europa funcione, os cidadãos, do Norte e do Sul, de países credores e devedores, centro e periferia, têm de estar dispostos a dotarem as instituições europeias dos instrumentos financeiros adequados e, em paralelo, de instâncias de governo eficazes e, ao mesmo tempo, legítimas, sob o ponto de vista democrático. Mas, para que os impostos de um cidadão alemão garantam os depósitos de um aforrador espanhol e os impostos de um aforrador espanhol garantam os depósitos de um grego ou de um português, precisamos de confiança na Europa e é justamente dela que hoje temos falta.
Em junho de 2014, daqui a pouco mais de um ano, a Europa chamará os seus cidadãos às urnas. Se até lá não se tiver restaurado a confiança dos cidadãos na UE, a surpresa pode ser bastante desagradável. Era imprescindível salvar o euro, mas o euro é um meio, não um fim, o fim são os cidadãos: um euro sem eles não faz muito sentido.

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