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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Há muitas Rainhas de Inglaterra a receberem da PAC…

A reforma da Política Agrícola Comum (PAC), que será concluída este ano, vai no sentido do desenvolvimento sustentável e de uma maior equidade. Mas é ameaçada pela pressão dos grupos agroalimentares, assegura o fundador do movimento Slow Food, num apelo aos cidadãos e aos eurodeputados.
A esperança de uma agricultura europeia mais preocupada com o ambiente e, por isso mesmo, mais justa para o contribuinte e para quem opte por modos de produção sustentáveis, acaba de sofrer um duro golpe. A 28 de janeiro, foi transposta uma etapa decisiva em Bruxelas no longo e complexo processo que irá culminar, a partir de 2014, na nova PAC: o instrumento que irá determinar o futuro da nossa alimentação.
Há 50 anos que a PAC mobiliza cerca de metade do orçamento europeu. Esta reforma será uma ocasião para alterar o paradigma no sentido de uma agricultura mais orientada para o produtivismo e mais respeitadora dos territórios, dos recursos naturais, dos agricultores e dos cidadãos. Até hoje, tem-se dado preferência a práticas agrícolas que prejudicam a fertilidade dos solos, o meio ambiente, as paisagens, à custa de gerações e da biodiversidade e também profundamente iníquas em relação a países terceiros, menos favorecidos. Sem se aperceberem, os europeus estão a apoiar um sistema produtivo prejudicial, que vão acabar por pagar duas vezes: uma primeira vez com os subsídios e uma segunda vez com a reparação dos danos causados – da saúde à segurança dos territórios, passando pela qualidade do ar, da água, dos solos e dos alimentos. A velha PAC foi um fiasco total.
Do greening ao greenwashing
A 23 e 24 de janeiro, a Comissão de Agricultura e Desenvolvimento Rural do Parlamento Europeu votou as alterações ao projeto de reforma da PAC apresentado há mais de um ano. E decidiu bloquear, atenuar ou eliminar a maior parte das medidas destinadas a dar um carácter mais sustentável ao nosso sistema de produção agrícola. A bola está agora no campo dos governos que, em fevereiro, vão determinar o novo orçamento da PAC (cortes cegos, prováveis só vão servir para agravar a situação) e, sobretudo, no do Parlamento que, na sessão plenária de março, terá ainda a possibilidade de corrigir o mau rumo que nós traçámos.
Poderemos, por exemplo, introduzir medidas ditas de greening [de sustentabilidade ambiental] a favor do ambiente. O essencial do bolo da PAC sempre foi distribuído em função da superfície das explorações. Ao longo dos anos, este sistema acabou por favorecer as explorações mais vastas que, no entanto, não brilham pelo respeito pelo meio ambiente: um rendimento cadastral apetecível para a indústria agroalimentar.
Em contrapartida, a introdução da ecologia num projeto de reforma seria revolucionária pois obrigaria as explorações de grande e muito grande dimensão a adotar, também elas, práticas sustentáveis, como sejam a rotatividade de culturas, a manutenção de pastos e de zonas que correspondessem a uma função ecológica. Mas as alterações previstas transformaram estas disposições em medidas de geometria variável: a comissão desmontou-as progressivamente com a introdução de uma multiplicidade de derrogações que as inutilizou.
O greening transformou-se em greenwashing [dando apenas um toque de verde]. Com as novas normas, 82% das explorações agrícolas europeias ficam isentas das boas práticas ambientais obrigatórias. Além disso, sendo justo que as explorações agrícolas biológicas certificadas sejam automaticamente incluídas nos agentes "virtuosos" do setor, não é tanto assim a partir do momento em que existem outras práticas "ecológicas" – mas menos – igualmente enquadradas no "bio" com direito a subsídios.
Uma ocasião para mudar de rumo
Há mais aspetos criticáveis como, para citar apenas alguns, a possibilidade de receber um duplo subsídio pelo mesmo tipo de medida ecológica ou o facto de a obrigação de consagrar 7% da exploração a zonas de proteção ecológica ter sido modificada e essa percentagem reduzida para 3%. São inúmeros os elementos negativos que contrabalançam as raras medidas positivas que passaram pelas malhas, como os recursos suplementares destinados aos jovens que se lançam na agricultura, a introdução de um plafond de 300.000 euros para subsídios aos grandes latifundiários (para citar um nome conhecido, a Rainha de Inglaterra recebe 8 milhões de euros por ano), ou ainda a adoção de uma definição mais correta de "agricultor ativo", para evitar que outros agentes, como aeroportos ou campos de golfe, toquem nos financiamentos destinados à agricultura.
Desde que o projeto de reforma não seja definitivamente desfeito pelas decisões orçamentais a tomar em fevereiro, o Parlamento Europeu terá uma oportunidade histórica de inverter a marcha, entre 11 e 14 de março. Pela primeira vez na História da União Europeia, este parlamento poderá de facto intervir nesta negociação e cabe-nos a nós pressionar os nossos deputados para que não incorram no mesmo erro de apoiar o velho paradigma que, longe de servir o interesse geral, favoreceu os piores métodos de produção. Não é justo que se empreguem recursos públicos para favorecer o interesse de uma minoria.
Sob o simpático nome Go M.A.D. [Go Mad (fique louco), mas também Go Meet a Deputy (Vá ter com um deputado)], foi decretada a mobilização europeia, à qual se aliou igualmente o movimento Slow Food. Esta ação dá-nos a oportunidade de contactar parlamentares para lhes explicarmos toda a importância da sessão do próximo mês de março, para que não se deixem influenciar pelos grupos de pressão da indústria agroalimentar. Os cidadãos podem ser agentes e é imperativo que participem no debate antes que seja tarde de mais. Trata-se do futuro da nossa alimentação, dos locais onde vivemos e do nosso bem-estar.

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