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domingo, 3 de fevereiro de 2013

Gastando cera com fraco(s) defunto(s)…

Bem sei que é gastar cera com fraco defunto, mas o despudor, a monstruosidade (ou falta de consciência social) de alguns, a que se pode juntar a imoralidade dos conceitos de sociedade e a inocuidade do exercício da própria profissão que exercem, não pode ser esquecida e tem que ser “ouvista”, para estarmos avisados sobre aquilo com que podemos contar…
Fernando Ulrich exigiu a intervenção da troika quando o BPI tremeu. Depois, recebeu 1.500 milhões de euros dos contribuintes para a sua recapitalização. Mais do que os capitais próprios do banco.
Joana Amaral Dias
Se não os recebesse, não aguentava. Assim, aguentou muito bem. O BPI passou de um prejuízo de 284 milhões de euros para um lucro de 249 milhões. Foi este mesmo senhor Ulrich que, sobre mais austeridade aplicada aos portugueses, disse "ai aguentam, aguentam". Agora, para tentar explicar essa oração, acrescentou que se os sem-abrigo aguentam, os portugueses também. Para o mês que vem, o banqueiro deve declarar: Se as crianças do Burundi aguentam, porque é que as de Portugal não hão de aguentar? Nada de pieguices. E nada de esperar que os portugueses recebam um apoio semelhante ao oferecido ao BPI.
Há quem se interrogue sobre como será possível que seja este conjunto de escândalos BPI, BES, BCP, Banif, BPP e BPN a elite financeira do país. Mas não tem mistério. Sempre foi assim. A diferença é que antes o capital financeiro dizia o que o governo fazia. Agora diz o que governo deve fazer. E assim os ultra ricos passaram de apenas com-poder para também sem-pudor.
O banco islandês Landsbanki, na sua bebedeira de oferta de crédito, criou o Icesave. Uma espécie de banco virtual onde os clientes estrangeiros, sobretudo holandeses e ingleses, puseram muito dinheiro em troca de juros impossíveis. Depois sabe-se o que aconteceu. A banca islandesa, sempre aparada pelo governo neoliberal que tratou da sua privatização, colapsou. Os islandeses revoltaram-se e o governo caiu. Os governos britânico e holandês decidiram pagar, sem perguntar nada a ninguém, os estragos aos clientes do Icesave dos seus países. E apresentaram a factura aos contribuintes islandeses. Ou seja, os islandeses tinham de pagar com os seus impostos as dívidas de um negócio entre privados: bancos e investidores.
Daniel Oliveira
Quando o governo se preparava para começar a pagar os astronómicos estragos da banca, o presidente Ólafur Grímsson decidiu referendar a decisão. Todos os governos europeus, todas as instituições financeiras e quase todas as forças com poder na Islândia, incluindo o governo e a maioria do Parlamento, foram contra a sua decisão. Tal referendo seria uma loucura. De fora e de dentro vieram todas as pressões. Se a Islândia tivesse a ousadia de não pagar seria uma "Cuba do norte". Ficaria isolada. Nem mais um investidor ali deixaria o seu dinheiro. Os islandeses votaram: 92% disseram que não pagavam. E, mesmo depois de um 2.º referendo, não pagaram. A reação não se fez esperar. O governo do Reino Unido até se socorreu de uma lei para organizações terroristas, pondo a Islândia ao nível da Al-Qaeda.
A decisão repousava há algum tempo no Tribunal da EFTA. Quando estive na Islândia ouvi, de alguns especialistas, a mesma lengalenga: a Islândia ia acabar por pagar esta dívida. E até lhe ia sair mais caro. Que tinha sido tudo uma enorme irresponsabilidade fruto de populismo político.
Contrariando a posição de uma equipa de investigação da própria intuição e as temerosas autoridades judiciais da Islândia, que defendiam "um mínimo de compensação aos Governos britânico e holandês", o tribunal da EFTA isentou, esta semana, a Islândia de qualquer pagamento ao Reino Unido e Holanda.
O que estava em causa não era pouco. Era se deve ou não o Estado ser responsabilizado pelos erros dos bancos. E se devem ser os contribuintes a pagar por eles. Claro que a Europa já prepara novo enquadramento legal para atribuir uma maior responsabilização aos Governos pelas quebras no sistema financeiro. Duvido que resulte em maior vigilância ao sistema bancário. O mais provável é dar à banca a segurança que o dinheiro dos impostos cá estará para cobrir os prejuízos das suas irresponsabilidades.
Há coisas imorais que se naturalizam. Usar os dinheiros dos contribuintes para salvar os bancos das suas próprias asneiras foi uma delas. Como me disse o presidente Grímsson, "Temos um sistema onde os bancos podem funcionar como querem. Se tiverem sucesso, os banqueiros recebem enormes bónus e os seus acionistas recebem o lucro, mas, se falharem, a conta será entregue aos contribuintes. Por que serão os bancos tão sagrados para lhes darmos mais garantias do Estado do que a qualquer outra empresa?" Perante isto, os islandeses apenas fizeram o que tinham de fazer. Mas o Mundo está de tal forma de pernas para o ar que o comportamento mais evidente por parte de quem tem de defender os cidadãos e o seu dinheiro parece absurdo.
Afinal, a Islândia saiu-se bem. Saiu-se bem na economia, já abandonou a austeridade, está a mudar a Constituição no sentido exatamente inverso ao que se quereria fazer por cá e manteve a sua determinação em não pagar as dívidas contraídas por empresas financeiras privadas, tendo sido, no fim, judicialmente apoiada nesta decisão. Porque o governo islandês assim o quis? Não. Pelo contrário. Porque as pessoas exigiram e mobilizaram-se. E as pessoas, até na pacata Islândia, podem ser muito assustadoras.
Por cá, o mesmo banqueiro que se estava a afundar (parece que tinha comprado demasiada dívida grega) e que disse que os portugueses "aguentam" mais austeridade, recebeu dinheiro de um empréstimo que somos nós todos que vamos pagar, apresentou lucros excelentes e até vai comprar, imagino que com o nosso próprio empréstimo, dívida nacional. Ou seja, empresta ao Estado o que é do Estado e cobra juros. Porque nós aguentamos.

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