A Política Agrícola Comum foi um dos pontos polémicos da cimeira da UE da semana passada. Em plena crise económica, como podemos juntar-nos aos franceses e defender que se gaste €50 mil milhões numa política que beneficia os proprietários ricos e não faz nada para proteger o ambiente, escreve, encolerizado, o colunista ambientalista George Monbiot.
Pairando sobre a cimeira da semana passada, envenenando todas as negociações, flutua uma política de gastos elevadíssimos chamada política agrícola comum. As conversações fracassaram em parte porque, pressionado por François Hollande, o presidente do Conselho Europeu propôs aumentar o grande bolo em mais 8.000 milhões de euros durante 6 anos. Raramente estou do seu lado, mas os Governos britânico e holandês tiveram razão em dizer que não.
O facto de o povo da Europa tolerar este roubo é motivo de espanto constante. Os subsídios agrícolas são o equivalente da ajuda feudal, no século XXI: os impostos que os vassalos medievais eram obrigados a pagar aos seus senhores pelo privilégio de lhes colocarem o jugo. O regime de pagamento único, que representa a maioria do dinheiro, é um prémio à propriedade da terra. Quanto mais se tiver, mais se recebe.
Por uma espantosa coincidência, os maiores proprietários de terras incluem-se entre as pessoas mais ricas da Europa. Todos os contribuintes da UE, incluindo os mais pobres, subsidiam os senhores da terra: não uma vez, como aconteceu durante o salvamento dos bancos, mas perpetuamente. Todas as famílias do Reino Unido pagam em média 245 libras [cerca de €300] por ano para manter o estilo de vida a que os milionários estão habituados. Neste continente, não foi concebida nenhuma outra forma mais regressiva de tributação desde a queda das velhas autocracias. Não se preocupem com o facto de os agricultores franceses despejarem estrume nas ruas: devíamos despejar estrume em cima dos agricultores franceses.
Excedente de ovelhas inundou o mercado
Seria injusto ficar por aí. Há muita gente no Reino Unido que merece o mesmo tratamento. No ano passado, o comité do ambiente, alimentação e assuntos rurais da Câmara dos Comuns defendeu, num relatório estranhamente desequilibrado, que o sistema de subsídios agrícolas não vai suficientemente longe. O comité quer complementar os pagamentos pela posse da terra com o relançamento dos pagamentos por cabeça de gado: dinheiro por cada animal que os agricultores amontoam nos seus campos.
Este disparate ultrapassa os disparates dos franceses. Houve excelentes razões para os pagamentos por cabeça de gado serem suspensos gradualmente, em 2003. Estes constituíam um incentivo a encher as colinas com tantos animais (sobretudo ovelhas) quanto possível, sem ter em conta o impacto que isso tem sobre o mundo natural e sobre o bem-estar das ovelhas. O excedente de ovelhas inundou o mercado, levando à falência os agricultores que os pagamentos deveriam proteger. A proposta do comité é consentânea com um princípio europeu de longa data e tolo: quanto menos uma região é adequada para a agricultura, mais dinheiro se gasta para garantir que a exploração agrícola continua a ser ali praticada. É esta a lógica subjacente a subsídios extra como os pagamentos destinados a zonas desfavorecidas.
Esta abordagem é justificada através de uma afirmação sem fundamento: essa agricultura, em especial nas zonas de montanha, é necessária para proteger o ambiente. A Comissão Europeia defende que a agricultura é essencial para "combater a perda de biodiversidade" e reduzir as emissões de gases com efeito de estufa. Estas afirmações raramente são acompanhadas de qualquer coisa que se assemelhe a uma referência científica. Refletem uma visão bíblica da orientação humana. Seria encantador acreditar que os agricultores que exploram os outeiros, os proprietários de terras com quem é mais fácil simpatizar, produzem apenas coisas boas – mas isso é pura realização de um desejo.
Travar o crescimento de árvores e arbustos
Ao longo das últimas décadas, verificou-se um declínio catastrófico da vida selvagem, em resultado do pastoreio, escoamento de águas, submersão de resíduos que envenenam as correntes de água e remoção de habitats pelos agricultores. O chocante relatório da semana passada sobre a situação das aves no Reino Unido mostra que, desde 1966, se perderam 20% das aves, sendo essa perda de 50% nas terras agrícolas.
O sistema de subsídios não promove apenas esta destruição: exige-a. Uma norma europeia insiste em que, para receberem os principais pagamentos, os agricultores devem impedir "a invasão das terras agrícolas por vegetação indesejável". Por outras palavras, devem travar o crescimento de árvores e arbustos. Para receberem o seu dinheiro, os agricultores não são obrigados a cultivar produtos nem a manter animais nas terras, mas têm de as manter ceifadas. Em toda a Europa, são destruídos habitats da vida selvagem – em muitos casos, em terras sem valor para a agricultura – simplesmente para expandir a área elegível para subsídios.
A Comissão Europeia defende que os subsídios são necessários para ajudar os agricultores a "dar resposta à crescente procura mundial de alimentos, que se espera venha a aumentar em 70% até 2050". Mas, se se espera que a procura mundial de alimentos aumente 70%, porque são precisos os subsídios? Ainda não há muito tempo, os pagamentos agrícolas eram justificados através do argumento de que a procura mundial era baixa. Agora, são justificados através do argumento de que a procura é alta. Primeiro vem a política e as justificações ficam para mais tarde.
A Europa está em crise. Está em crise porque o dinheiro se acabou. Serviços públicos essenciais estão a sofrer cortes (em muitos casos, injustamente e desnecessariamente) e, ao mesmo tempo, são pagos anualmente €50 mil milhões a proprietários de terras. Quase nunca, na área do conflito humano, foi dado tanto a tão poucos.
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