Milhares vão às ruas após incêndio que matou mais de 110 trabalhadores perto de Daca. Fábricas produzem roupas para empresas internacionais, como a C&A, que confirmou ter feito uma encomenda para a filial brasileira.
Günther Birkenstock / Augusto Valente
Roupas baratas que custam a vida de pessoas
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Dois incêndios em instalações têxteis em Bangladesh voltaram a chamar a atenção para as deploráveis condições de trabalho nas fábricas da Ásia, que produzem principalmente para empresas ocidentais.
No dia 26/11/12, um incêndio atingiu um prédio de 11 andares em Uttara, subúrbio da capital Daca, onde funcionam 3 fábricas de roupas. O fogo foi rapidamente controlado e não houve vítimas fatais, embora 8 empregados tenham sofrido os efeitos do denso fumo.
Mais trágico foi o incêndio da noite de sábado, matando pelo menos 111 funcionários, a maioria deles mulheres, e deixando cerca de 200 feridos. Muitos sucumbiram na tentativa de escapar do fogo, atirando-se pelas janelas do edifício de 9 andares em Ashulia, nas proximidades de Daca, já que as saídas de emergência estavam bloqueadas. A empresa Tazreen fornece para a C&A e para outras multinacionais europeias e norte-americanas.
A C&A confirmou que a Tazreen era sua fornecedora e deveria entregar, entre dezembro e fevereiro, 220.000 blusões para a sua filial brasileira. Um porta-voz declarou à agência de notícias DAPD que essa foi a primeira encomenda à empresa. Também a rede alemã KiK confirmou já ter feito encomendas à Tazreen.
Trata-se da mais grave catástrofe do género em Bangladesh. Na maior parte dos casos, as condições de trabalho no país são desumanas: não há quaisquer medidas de segurança nem de saúde, e os operários costumam trabalhar confinados em espaços mínimos.
Milhares foram às ruas da capital nesta segunda-feira em protestos, em parte violentos, contra a situação dos operários em Bangladesh. Cerca de 200 fábricas permaneceram fechadas.
Sem perspetiva de longo prazo
Em setembro último, uma tragédia semelhante ocorreu numa fábrica têxtil do Paquistão, fazendo 250 vítimas fatais. Também nesse caso não se respeitaram as normas de segurança. Um dos motivos para a forma devastadora como o fogo se alastrou foi o facto de as saídas de emergência estarem bloqueadas ou trancadas.
Pouco depois divulgou-se que a fábrica produzia principalmente para a cadeia alemã de roupas baratas KiK. O caso provocou indignação, mostrando mais uma vez que muitos comerciantes alemães pouco se importam com as condições de trabalho nas companhias suas fornecedoras.
A KiK reagiu, providenciando um fundo de emergência com o fim de prover um total de 385.686 euros como ajuda para as famílias das vítimas. Atualmente fala-se em dobrar essa quantia.
Uma iniciativa digna de elogios, concorda Sabine Ferenschild, da organização Südwind, que se empenha pela justiça social e económica em todo o mundo. No entanto, ressalva que essa ajuda é pontual. "O que falta é uma perspetiva de longo prazo. Isso é o que têm demonstrado as catástrofes que ocorreram até agora. Tem havido muitos incêndios em fábricas, nos quais morreram numerosos operários e operárias."
Logo após os desastres, as firmas disponibilizaram apoio financeiro, mas no decorrer dos anos suspenderam toda forma de ajuda. "Porém os atingidos continuam a viver, por exemplo, com a sua invalidez para o trabalho, ou depois da perda dos pais, que não mais podem contribuir para a subsistência das crianças", acusa a representante da Südwind.
Boas intenções não bastam
Para se firmar no mercado, cada empresa calcula com rigor os custos envolvidos nos seus produtos. Geralmente isso acontece à custa dos mais fracos, os empregados em países de baixos salários, critica Ferenschild. "Se não há contrato de trabalho, se os salários mínimos são baixos demais, ou se os operários são obrigados a fazer horas-extras, todas essas são irregularidades causadas pela dura concorrência no setor de vestuário, mas que igualmente ocorre noutras áreas."
Além da Südwind, outras organizações empenham-se por uma mudança dos padrões sociais nas fornecedoras nos países em desenvolvimento e emergentes – até ao momento, com pouco sucesso. Ferenschild crê que isso se deve ao facto de os compromissos serem voluntários. Ou seja: as empresas podem mudar, se quiserem, mas não são obrigadas a fazê-lo.
As firmas alemãs tampouco têm obrigação de fiscalizar regularmente as fábricas que produzem para elas no estrangeiro, e muito menos de tornar públicos os próprios esforços nesse sentido.
No entanto, observa Ferenschild: "No ano passado, a Comissão Europeia deu a entender que está disposta a abandonar o princípio da pura voluntariedade". Assim, a União Europeia pretende introduzir um compromisso de transparência: as grandes firmas terão que informar o público sobre as condições de manufatura dos seus produtos. Deste modo, cada consumidor teria a opção de adquirir a mercadoria ou deixá-la na prateleira.
Esperança no comprometimento voluntário
Stefan Wengler, diretor-gerente da Associação de Comércio Exterior do Varejo Alemão (AVE, na sigla original), vê a questão de outro modo e destaca o comprometimento voluntário com a segurança laboral. Acentua que há 9 anos já existe a Business Social Compliance Initiative (BSCI), que reivindica e impõe padrões internacionais de segurança e pagamento.
Cerca de 1.000 empresas dispuseram-se a participar da BSCI, e Wengler crê que a iniciativa esteja num bom caminho. "No primeiro ano, apenas 7 das 100 firmas inspecionadas passaram no teste. As outras 93% foram reprovadas." Nas inspeções mais recentes, contudo, 1/3 das empresas já atingiu os pré-requisitos. E aquelas com irregularidades eliminaram-nas rapidamente, como confirmou um segundo teste.
"A BSCI tem critérios bem rigorosos. O problema é que, quando os fiscais vão a uma firma, está tudo maravilhosamente em ordem. Quando saem, tudo volta a ser como era antes", admite Wengler. Por isso, ele pleiteia que se sensibilizem os empresários dos países fornecedores através de cursos informativos. Pois estes só mudarão algo quando perceberem por que padrões de segurança são importantes.
Ferenschild não é tão otimista quanto Wengler. Apesar de registrar melhoras isoladas, segundo ela continuam a dominar os abusos gritantes. Para a representante da Südwind, a responsabilidade está, acima de tudo, nas mãos dos comerciantes ocidentais. "Há muito que a maior parte dos produtos vendidos na Alemanha não é fabricada no país, e sim em países onde as leis laborais podem existir no papel, mas não valem de nada na realidade. E as empresas alemãs beneficiam dessas condições de trabalho."
Só para que conste, se adivinhe o futuro do nosso empobrecimento e o que são, realmente, as condições de competitividade e atração de investimento estrangeiro…
A “chinesização”!
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