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quarta-feira, 23 de maio de 2012

A pobreza como fronteira/margem do mediterrâneo?

Com evidentes razões, o turbilhão do Mediterrâneo, que inclui o sul europeu enquanto abrangido pela fronteira da pobreza, tem preocupado e ocupado os responsáveis e analistas, sobretudo no que diz respeito à chamada primavera árabe.
Trata-se de um movimento das populações que surpreendeu não apenas os governos locais colocados em risco de permanência, mas também as potências, sobretudo ocidentais, e europeias, que assentavam as relações com aquela área numa suposição de estabilidade.
Houve mesmo uma espécie de cobertura prudencial para a proteção da estabilidade de regimes considerados longe dos ideais democráticos ocidentais, quer admitindo com publicidade que as populações estavam longe de aceitarem e seguirem os vaticínios americanos do fim da história, parecendo-lhes apropriado manter aquilo que Fareed Lakarie chamou "democracias iliberais", com a sugerida esperança de que fossem regimes que em tempos, para a América Latina, foram chamados por Fraga Iribarne “forças-tarefa” a servirem um ideal com futuro, que os pessimistas consideraram uma utopia porque afirmavam que a liberdade "é um hábito estranho aos povos tropicais".
Foi a chamada primavera árabe que orientou Bertrand Badie no sentido de identificar e analisar a relação entre o tempo social, o tempo político e o tempo internacional, uma sugestão (2012) que pode animar outras previsões, mas que parece apropriada para acompanhar, do ponto de vista da situação da União Europeia, as dificuldades em que se encontra a conciliação desses tempos, sobretudo quando a fronteira da pobreza unifica o espaço, e não é de ignorar que agravamentos de conflitos no cinturão muçulmano podem ter consequências, designadamente migratórias, para o norte desse mar comum.
Aquilo que mais parece ter surpreendido as chancelarias ocidentais, a começar pelos EUA, que desenvolviam uma política de acompanhamento interessado, com destaque para o regime de Muammar Kadhafi, foi o levantamento popular sem medo, que determinou uma intervenção mal apoiada pela divisão no Conselho de Segurança. Decisão que não foi repetida, quando supostos líderes fortes, como aconteceria com Mubarak e Zine el-Abidine Ben Ali, enfrentaram o mesmo fenómeno.
O que aconteceu, segundo a análise, que também é advertência de Badie foi que o tempo social despertou finalmente as sociedades, que chamamos civis, contra os benevolamente chamados déspotas esclarecidos, cansadas da usura dos regimes cobertos pelo abuso da semântica dos discursos, das proclamações, das solidariedades ou benevolências do tempo internacional.
Esta desafiante experiência que se desenvolve na fronteira dos europeus, agora já suficientemente abrangidos pela fronteira da pobreza, poderia trazer alguma lição esclarecedora aos desencontros de perceções europeias, às tentativas de supremacia interna à margem dos tratados da União, de difícil leitura, às divagações de uma antropologia ligeira sobre o pluralismo europeu, e também às intervenções tecnocráticas, supostas rigorosamente científicas, a servir de programa de governo de pessoas, mas estas a sofrerem um presente injusto e um futuro indecifrável.
Está às portas da Europa a demonstração de que o tempo social desafia inesperadamente o tempo político e o tempo internacional, em termos imprevisíveis. Também não é ignorado que tal desafio do social ao político não é evitado, embora seja seguramente mais adiado, quando é a convicção democrática do modelo ocidental que dá suporte aos titulares do poder político. Mas não é possível forçar a obediência ordenada, consentida, e cooperante, quando a esperança, e a confiança que dela depende, excedem a resistência exigível da solidariedade social, um dos alarmantes avisos de Hannah Arendt em diferente mas também grave circunstância.
Se a unidade europeia que os fundadores sonharam continuar a não ser firmemente praticada, a voz da Europa deixará de ser ouvida no mundo, abafada pelo desastre. É de esperar que a história nunca omita o contributo europeu, mas nesta data é de justiça que os vivos necessitam.
Adriano Moreira

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