Deixar a Grécia sair do euro? Salvar os bancos espanhóis? Continuar a insistir na austeridade ou dar uma oportunidade ao crescimento? Questões a que os líderes da zona euro têm de responder durante a cimeira extraordinária marcada para 23 de maio, se querem que os europeus continuem a confiar no projeto comum.
Qualquer uma destas opções é delicadíssima. O mais elementar princípio de prudência obrigaria a que fossem evitadas. Por medo: terão potenciais efeitos de contágio devastadores. E porque há margem: a Europa pode levantar o pé do travão da austeridade; o Banco Central Europeu (BCE) tem uma enorme capacidade de manobra; uma intervenção em Espanha ainda não é inevitável.
Revolucionar a agenda
No final, in extremis, aparece sempre alguma coisa que desfaz o nó górdio da crise. Mas talvez não desta vez. Qualquer coisa é possível depois de se ter rompido o tabu: o Presidente francês, François Hollande, pensa que é desejável um resgate europeu para os bancos espanhóis; a chanceler Angela Merkel sugeriu um referendo sobre o euro na Grécia e insiste nos seus planos de contingência como se os gregos honrassem o adágio que diz que as crises europeias começam sempre nos Balcãs.
Tudo isto obriga a Europa a uma mudança de última hora, do guião da próxima cimeira. Há uns dias, essa reunião ia ser a apresentação à sociedade de Hollande e das suas ideias sobre a mudança de tom sobre o crescimento, agora, a tensão obriga a revolucionar a agenda. Merkel, Hollande e companhia têm de responder a duas questões essenciais. A Grécia deve sair do euro, já que os resgates não funcionam e os gregos estão desencantados? A Espanha deve pedir dinheiro à Europa para ajudar os seus bancos a taparem um buraco que talvez seja inimaginável? Só as perguntas um pouco ingénuas são verdadeiramente profundas; por isso, essas duas interrogações podem juntar-se numa só: a Europa acredita no seu próprio projeto?
Impõem-se duas formas de responder; nenhuma delas completamente conveniente. Por um lado, a já habitual linguagem alarmista e apocalíptica, compreensível pela gravidade do que aconteceu em 15 dias, criticável pela tendência para exagerar tão própria desta crise fáustica, capaz de tornar famosas as cassandras mais delirantes. A sua opção é a negação: a inanição, com a Comissão convertida em estátua de sal à espera que Paris e Berlim decidam que caminho seguir.
Seca de liquidez em todo o país
“As duas coisas, a saída da Grécia com graves consequências e uma intervenção na banca espanhola, são cada vez mais prováveis. Se se realizarem e não virmos um impulso extraordinário nos mercados por parte do BCE, e também por parte de Berlim, de Paris e das instituições europeias, com passos inequívocos em direção a uma união política, haverá filas à porta dos bancos, saídas de capitais de toda a periferia e um rasto de países a falirem”, avisa de Nova Iorque, por telefone, o professor de Harvard, Ken Rogoff, autor de uma monumental história das crises financeiras nos últimos 8 séculos.
Tano Santos, da Universidade de Colúmbia, classifica uma intervenção em Espanha como “perigosíssima”. No exato momento em que se fizer, secará a liquidez em todo o país, e não há dinheiro que chegue para um caso da amplitude de Espanha. Passa-se o mesmo na Grécia, que corresponde apenas a 2% do PIB europeu mas cuja saída do euro provocaria um impacto no sistema financeiro próximo dos 500 milhões de euros, segundo o Citibank, que só podia ser gerido com um dilúvio de liquidez do BCE e desde que as fugas de depósitos não fossem generalizadas.
Justamente na altura em que regressava o debate entre a austeridade e o crescimento, a situação complica-se de tal maneira que essa controvérsia é quase secundária: a banca volta a estar presa por um fio, como no pior momento depois da falência do Lehman Brothers. Todos os caminhos levam a Berlim e a Frankfurt. Há uma constelação de fatores que podem obrigar a Alemanha a fazer um gesto para que a Europa não se veja abocanhada pelo pior dos mundos. “Mas também há razões para pensar que Berlim não aprendeu nada com a sua história e que a aproximação disciplinar que impôs ultrapassa todos os limites”, afirma Paul De Grauwe, da London School of Economics. Rogoff resume com dureza: “Ou a Alemanha aceita a inflação (aumentos salariais, estímulos, um BCE à americana, e o mais que seja necessário) ou assistiremos a suspensões de pagamentos, cadáveres políticos e será dificílimo para os próprios alemães”. No final, o maior dos riscos é sempre político. De liderança. É aí que, desde há algum tempo, radica o problema da Europa: as soluções dos problemas da zona euro não são inimagináveis, são possíveis; mas não há tração política suficiente para as ativar.
A última utopia
Não há nenhuma saída evidente para o grande problema que aflige a UE: a deceção da opinião pública, em parte por causa do défice democrático, em parte por causa da crise de legitimidade da União. A UE nunca foi especialmente popular entre os nórdicos; a novidade é que a crise do euro está a fazer com que a sua impopularidade cresça, inclusivamente a sul dos Pirenéus, onde era vista como a última utopia exequível. No Sul, há cada vez mais pessoas que culpam a UE e o BCE de excesso de austeridade. Na Alemanha e noutros países do Norte, os cidadãos responsabilizam a UE por terem sido obrigados a ajudar os pecadores sulistas. “E, paradoxalmente, qualquer solução consiste em mais Europa”, conclui Charles Grant, do Center for European Reform.
A curto prazo, a solução passa pelo BCE (“só as intervenções do banco central têm credibilidade”, explica o analista Juan Ignacio Crespo, “porque implicam algo mais do que palavras”). A médio prazo, por recuperar o crescimento: esta semana, Paris e Berlim têm muito a dizer, em Bruxelas. E, a longo prazo, faz falta qualquer coisa parecida com uma agência europeia de dívida, mais união económica e financeira, uma UE que se decida a ser mais do que um mero clube económico: para isso, são necessários líderes em Paris, Berlim, Bruxelas e em Tombuctu. Onde estão esses líderes?
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