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terça-feira, 22 de maio de 2012

Mais uma dissecação do “coiso”…

Se há coisa polissémica é o coiso. Mas a coisa não lhe fica atrás.
Uma rápida verificação no Houaiss mostra o tanto que a coisa é ou pode ser. Lá está: "Tudo quanto existe ou possa existir, de natureza corpórea ou incorpórea. (as coisas do mundo)". É isso a coisa, mas não a coisa toda. Já o coiso, por mais desmesurado, por mais possibilidades de sentido, tem menor raio de alcance, coisa menos, abarca menos coisas que a coisa. Por isso, correndo o risco de fazer jornalismo interpretativo, assim desagradando ao ministro Relvas, sou tentado a contrariar o desdém geral pelo alegado lapsus linguae do ministro Álvaro. Porque, em tempo de penúria, Álvaro acrescenta. Álvaro enriquece a polivalência semântica. Por mais trapalhão, Álvaro diz-nos que o coiso é o nome da coisa. Relvas pede desculpa por aquilo que desmentira e foge para diante, nega ter feito um ataque à imprensa atacando a imprensa (acusando um jornal e uma jornalista de construírem uma narrativa à qual adaptam a realidade). Relvas não diz se a coisa é o nome do coiso. Se Álvaro não desmente o coiso, o terrível coiso, apenas vacila no momento de o nomear, Relvas não explica a coisa pela qual se penitenciara, ainda que a desminta. Assim vai enchendo um balão de nada, de coisa nenhuma. E até o primeiro-ministro, naquela qualquer coisa que disse, não querendo comentar a coisa doméstica em Chicago, foi por aí: "Não há nenhum ataque a coisa nenhuma". Ora "coisa nenhuma" é nada. Um nada com um fio de ar que parece conter, ainda, alguma coisa. Um pouco mais do que o superlativo absurdo "coisíssima nenhuma" que o Houaiss também contempla. Fica, ao menos, claro que coisar pode ser verbo de encher ou de esvaziar. Entre usos anómalos e novas ênfases, torna-se evidente que a coisa foi sendo puxada para um novo patamar interpretativo. Como observa a jornalista Maria José Oliveira, "em momento nenhum" houve uma explicação para as ameaças que lhe foram feitas e ao jornal onde trabalha. E isso, dada a narrativa entretanto construída, parece ser, agora, uma coisinha de nada.
Estou ainda para aqui às voltas com o Houaiss, em busca do nome da coisa. E cá está: pode a coisa ser algo que não se quer ou não se pode nomear; aquilo que se pensa; interesse próprio; negócio, ocupação; o que não se sabe, mistério (o Houaiss exemplifica: "era preciso investigar, pois ali havia coisa"). Há casos em que até os dicionários adensam o enredo.
De tanto malbaratar o verbo e a etiqueta, mais valia a tanta gente, erguer o coiso, quero dizer, o dedo e, sem medo, mudar de nome como no poema do Drummond: "Meu nome novo é Coisa/ Eu sou a Coisa, coisamente". Não fosse a estranha sensação de parecer que nos estão a coisar, teríamos aqui, como diria o O'Neill, "uma coisa em forma de assim." Ou coiso e tal.
Fernando Alves

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