No campeonato para a companhia mais
malévola no mundo, a FIFA compete pelos lugares do topo. A FIFA não polui rios
nem explora crianças ou financia golpes de Estado, mas as suas práticas
nefastas são bem mais abrangentes e têm um alcance global.
Ricardo Reis
Vejamos:
Os escândalos de corrupção na FIFA são
constantes. Sempre que há um processo de escolha para o local do Campeonato do
Mundo, alguns jornalistas tentam investigar quem são os delegados que votam
nestas decisões e descobrem-se carecas que são maiores do que a de Pierluigi
Collina. A atribuição do Mundial de 2022 ao Qatar foi tão chocante que o muito
polido Bill Clinton reagiu à notícia dando um soco num espelho.
O
topo da gestão da FIFA tem as características de governance dos piores conselhos de administração do mundo. O
processo de eleição e remoção do CEO está construído de tal forma que ele só
sai praticamente se quiser. Por isso, o anterior presidente, João Havelange,
ocupou o cargo durante 24 anos, retirando-se aos 82, e o atual presidente já
ocupa o poleiro há 16. Em termos de remuneração, a FIFA simplesmente não revela
quanto ganha o presidente, mas o edifício luxuoso em que está a sede da empresa
ou a forma como viajam os seus executivos mostra que pelo menos em "despesas de representação"
não há muita modéstia. Além disso, para uma organização sem fins lucrativos,
cujos rendimentos ultrapassam os 4.000 milhões, a transparência das contas é
abismal.
Depois de anunciado o local do
campeonato, a FIFA trata as instituições locais com o desrespeito de um
exército invasor. O governo do país lá engole quando a FIFA impõe que se
revoguem leis do país, como a lei brasileira que proibia a venda de álcool nos
estádios e que a FIFA obrigou a que fosse alterada, ou não fosse a Budweiser um
patrocinador importante. A morosidade do sistema de justiça é um problema no
mundo inteiro, e os juristas são lestos a defender a presunção de inocência e
direitos dos acusados. Mas a FIFA impõe, e os juristas lá engolem, que se criem
tribunais especiais durante o campeonato de forma que um assaltante ou
carteirista seja condenado em menos de 48 horas a anos de cadeia.
Por fim, a FIFA relaciona-se com
países soberanos de uma forma que faz o FMI parecer um anjinho do coro. O FMI
empresta o seu próprio dinheiro e é crucificado por insistir que o país ponha
as contas públicas em ordem. A FIFA não põe um tostão e exige gastos sumptuosos
estados e infraestruturas que levam um país à bancarrota. Em troca, a FIFA fica
com todo o dinheiro da venda de bilhetes e dos direitos televisivos e ainda
impõe que o país não cobre um cêntimo de impostos. Se alguém critica, lá vem
Sepp Blatter ameaçar que retira a organização do Mundial.
O futebol traz muita alegria e, talvez
por isso, estamos dispostos a esquecer que as pessoas que o gerem são pouco
recomendáveis. Mas os protestos dos brasileiros nesta Copa são um exemplo para
o resto do mundo. Quando se chega a um limite, o povo não se deixa iludir pelo
circo.
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