(per)Seguidores

segunda-feira, 16 de junho de 2014

O bom exemplo da “democratização” à "far-west" no “far-east”

Grupo EIIL tomou importantes cidades no norte e oeste do país. Cresce o receio de que de uma guerra civil violenta estoure no Iraque. Especialistas respondem a questões centrais sobre o conflito.
Cheira a medo no Iraque. O avanço fulgurante das forças do dito Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL), agora a poucas dezenas de quilómetros de Bagdad, deixou quase todos estupefactos. Como tinha sido possível? O que aconteceu? Para se encontrar uma resposta, é melhor fazermos como nos filmes e recuarmos um pouco no tempo.
Azeredo Lopes
A nossa história começa na Síria de Bashar al-Assad, nessa terra afogada em dor desde 2011. Não, de facto, não: a nossa história começa em março de 2003, quando uma coligação de estados (liderada pelos Estados Unidos) invadiu o Iraque, na altura dirigido por Saddam Hussein. Foi um ato grosseiro de agressão, camuflado em mentiras não menos grosseiras. Foi, além disso, uma insensatez que pagámos e vamos continuar a pagar caro: como hoje se vê, mas já ontem se via.
Talvez ainda recordem como, entre nós, muitos defenderam que os fins justificam os meios e olharam para a queda de Saddam Hussein como o sintoma de um vento democrático que iria varrer todo o Médio Oriente. Como outros tantos afirmaram, sem pudor, que ou se era a favor da agressão ou a favor de Saddam. A partir de Bagdad, passando por Damasco, Teerão, Beirute e a Palestina, iria ser uma revolução libertadora.
Com uma ignorância crassa, nem quem interveio militarmente sabia muito bem o que era o Iraque e o seu mosaico de povos e religiões (curdos, xiitas, sunitas, cristãos), a sua tremenda complexidade e conflitualidade endémicas. Achavam, realmente, que os iraquianos eram uma data de barbudos mais ou menos iguais, que iriam agradecer-nos venerandos a liberdade e um cheirinho de civilização que lhes doávamos.
Depois, aplicámos a cartilha da "estupidez" democrática. Eleições, uma nova Constituição, a maioria ganha e depois - a partir de 2011 - tratem Vossa Excelências da vossa vida, porque já são uma democracia. Os xiitas, maioritários, trataram de facto da sua vida. Como era claro, ganharam. E logo vários - hoje, o senhor Nouri al-Maliki - começaram também a tratar da saúde aos outros grupos. Os curdos, lá mais longe no Norte, ficaram à espera: porque os curdos aprenderam a ter paciência, como povo repartido por vários estados (entre outros, a Turquia, a Síria, o Iraque e o Irão) que sempre apanhou de todos os estados onde está implantado.
Os sunitas, esmagados por serem a base de apoio de Saddam Hussein, resistiram. E o Irão, eufórico, viu o seu inimigo figadal (os Estados Unidos) derrubar outro seu inimigo figadal (Saddam Hussein) e entregar-lhe de mão beijada o controlo do Iraque. Raras vezes, de facto, se terá assistido a um tal absurdo concentrado em tempo tão curto, raras vezes se terá conseguido transformar em tão pior aquilo que por si já era péssimo.
A decapitação do Iraque, com efeito, levou a que o terreno ficasse lavrado e maduro para outros poderes ainda mais violentos e brutais, como o do EIIL que hoje por lá cavalga.
Na Síria, quando a guerra civil começou, fizemos tudo o que podíamos para enfraquecer o regime de Damasco, e tudo o que podíamos para ajudar os "democratas" que se lhe opunham. Grandes democratas, aliás. Porque, se alguma vez existiram, logo foram varridos por quem tinha muito mais vontade e ferocidade: a Al-Qaeda, através da frente Al-Nusra, e outros piores ainda do que a Al-Qaeda: as forças do EIIL. Aqueles mesmo que agora, a não serem travados e depressa, podem controlar grande parte do Iraque, consumando a sua partição, com o Irão de permeio a olhar gulosamente.
O calibre deste gangue bestial e sanguinário que decapita, viola, crucifica e executa sumariamente quem se lhe oponha ou quem pense ser inimigo ou infiel demonstra-se de forma simples: até a Al-Qaeda deles se afastou na Síria, até a Al-Qaeda parece "moderada" à sua beira e combate os seus excessos.
Mas, não são eles (só) terroristas? São terroristas. Mas terroristas transformados e de uma nova "geração": querem território, recusam fronteiras (gabam-se, aliás, disso), anseiam por um Islão desumano, por eles inventado para saciar a sua fome de morte e a sua sede de sangue. São um "upgrade" daquilo que até agora temíamos.
Tivemos um ensaio geral com a Al-Qaeda do Magrebe, que esteve a um passo de encerrar o Mali nas suas garras, não fora a intervenção militar da França. Agora, temos o jogo a sério. Perto, cada vez mais perto de nós.
Sentem o cheiro do medo, trazido pelo vento quente que sopra do Sul? Não? Calma, não tardará.

Sem comentários:

Enviar um comentário