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terça-feira, 17 de junho de 2014

E o que é que nós ganhamos com isto? "Vão-se… Qatar!”

O futebol tem magia própria, mas nem os orixás do candomblé de Salvador da Bahía conseguem explicar estes números: só a presença da seleção nacional, nesta fase de grupos do Mundial, garante um impacto de 438 milhões de euros na economia portuguesa!
Sérgio Figueiredo
Os processos de crescimento económico podem ser lidos de várias formas, mas convém não medir o PIB onde ele não existe. Quando há futebol na televisão, é normal que se beba mais cerveja e os cafés vendam mais petiscos.
Mas isso significa também que mais pessoas não trabalham nas horas em que era suposto estarem nas fábricas e escritórios. E que, além de baixar a produção, uma competição destas fora de portas implica viagens e gastos de milhares de fãs ao exterior - que tem impactos negativos nas contas externas. Logo, reduz o PIB, não o aumenta.
Já é controverso o efeito efetivo que um evento como o Mundial de futebol tem para o País que o organiza. O Brasil, que gastou 8 biliões de reais em estádios e mais 14 biliões em infraestruturas, anda, como se sabe, à cacetada nas ruas porque não é inequívoco que a Copa produza, tudo somado e contado, externalidades positivas no País.
Não há controvérsia possível na economia vudu. Há ridículo. É embaraço, quando a comunicação social dá crédito e relevância a "estudos" para provar que há um estímulo económico na finta de Neymar e nos golos que esperamos de Ronaldo, a milhares de quilómetros e no outro lado do Atlântico.
O futebol, é verdade, movimenta muito e muito dinheiro. Segundo a Delloite, os 20 maiores clubes do mundo faturaram 5.400 milhões de euros, só na época passada. E poder: a FIFA tem mais países membros (209) do que as próprias Nações Unidas (193).
Esta indústria gerou aquela que provavelmente é a única multinacional global, que beneficia de estatuto de "organização não-governamental" na Suíça e por isso não paga quaisquer impostos. E que, fruto de um modelo de governance horroroso, sobra em casos de corrupção o que falta em transparência e justiça.
É normal, portanto, que a Imprensa económica internacional venha dedicando espaço e atenção ao Mundial de futebol. A este e aos próximos - onde o Sunday Times descobriu uma troca de mails que provam a compra de votos na eleição do Qatar para organizar a competição em 2022.
A revista The Economist, que fez capa na última edição, trata o senhor Blatter como o chefe de uma organização mafiosa. E não poupa Michel Platini de suspeições quando recorda, dias antes da decisão, um jantar promovido no Eliseu pelo então Presidente francês Sarkozy, com o primeiro-ministro do Qatar.
Por coincidência, França e Qatar fecharam os maiores negócios de sempre no ano seguinte, uma empresa pública do Qatar comprou o PSG e reforçou o clube de Sarkozy com contratações milionárias, o filho de Platini assumiu a presidência de uma empresa do Qatar e, adivinhem!, o presidente da UEFA não escolheu nenhuma das cidades europeias que supostamente representava e votou... no Qatar.
Aqui os temas são outros: a comunicação social generalista andou duas semanas a olhar para o joelho de Ronaldo - o que até se compreende; a imprensa económica dedicou primeiras páginas, o que significa credibilidade e relevância, a bruxarias disfarçadas de ciência.
438 milhões de euros de PIB! Mesmo que fosse real, seria insignificante. Não tapava sequer metade do buraco que duas empresas de transporte (Carris e STCP) vão abrir nas contas públicas deste ano. E não é 440 milhões nem 430 - é 38! É rigor e exatidão. Fase de grupos, 438 milhões. Oitavos-de-final, 469 milhões. Quartos-de-final, 503 milhões. Final, golo, campeões: 609 milhões. É um absurdo. É palpite dos jogos de apostas na Internet. Pode ser isso, pode ser menos, mais ou nada.
Já tínhamos visto que, quando a refinaria da Galp pára, o motor da retoma gripa. Na semana passada, o INE revelou que o Sistema das Contas Nacionais começará a contabilizar a prostituição, a droga e o contrabando - e o PIB aumenta 0,4% só por isso.
Pina Moura terá sido o primeiro ministro da Economia a avisar que o nosso modelo económico estava esgotado. Ninguém podia imaginar que, 5 mundiais depois, o novo perfil de crescimento viesse a dar nisto.

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