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quarta-feira, 18 de junho de 2014

Emigração ou mobilidade: um outro nome para “tráfico humano”

O Instituto Nacional de Estatística (INE) relevou que Portugal registou 128.000 emigrantes no ano passado: cerca de 54.000 permanentes e outros 74.000 temporários. É uma subida de 6% face ao ano anterior e um novo recorde anual, que eleva para 350.000 o número de emigrantes nos últimos 3 anos.
No saldo migratório do país, são apenas contabilizados os emigrantes permanentes, pelo que o INE indica que a população portuguesa registou apenas uma queda total de 60.000 pessoas. Mas o número de emigrantes temporários está a aumentar mais do que os permanentes.
São classificadas de emigrantes permanentes as pessoas que deixam o país com a intenção de residir noutro país por um período igual ou superior a um ano. Os  emigrantes temporários saem com a intenção de permanecer noutro país por um período inferior a um ano.
Jagdish Bhagwati (Columbia University) foi, na década de 1970, pioneiro no estudo da “fuga de cérebros”.
Armando Pires
Duas conclusões principais podem ser tiradas dos trabalhos de Bhagwati. Primeiro, a emigração de capital humano de países pobres para países ricos põe em perigo o desenvolvimento económico dos primeiros. Segundo, a fuga de cérebros representa uma perda de um investimento que outros irão obter a custo zero: o país de origem financia a educação dos emigrantes, mas quem obtém os benefícios desta, sem que para isso nada tenha contribuído, são os países de destino. Como solução para esta iniquidade, Bhagwati propunha que o país de origem da emigração recebesse uma parte dos impostos que os seus emigrantes pagam nos países de acolhimento.
Apesar do interesse que este “imposto sobre os cérebros” suscitou na altura, poucas vezes este passou do papel, uma vez que é difícil a países independentes cooperarem internacionalmente em questões fiscais (veja-se os paraísos fiscais). No entanto, no caso do euro, tal entrave pode ser menor porque estamos a falar de países que têm algum nível de união política, económica e monetária.
De facto, quando um conjunto de países decide fixar as taxas de câmbio bilaterais, como no caso do euro, estes têm de optar entre permitir a livre circulação internacional de capitais ou manter uma política monetária independente. Os países do euro escolheram abdicar da política monetária nacional. Deste modo, os bancos centrais de cada país da zona euro não têm controlo da inflação, nem da quantidade de dinheiro em circulação, nem da taxa de câmbio.
O que isto significa na prática, como Portugal aprendeu a um custo elevado nos últimos anos, é que quando um país entra em crise, este não pode reduzir a taxa de câmbio para aumentar as exportações e assim promover o crescimento económico. Na ausência desta desvalorização externa, só resta a desvalorização interna, ou seja, a diminuição dos salários. Um dos problemas da desvalorização interna é que esta é muito mais lenta do que a desvalorização externa. Uma desvalorização externa pode ser feita do “dia para a noite”, enquanto uma desvalorização interna pode durar anos, visto não ser tão fácil, quer em termos práticos, quer em termos sociais, como diminuir as taxas de câmbio.
Uma situação semelhante à actual aconteceu durante o “Padrão Ouro”, no período entre as duas guerras mundiais, em que o valor das diversas moedas estava fixado em relação ao ouro. De facto, neste sistema monetário, os países devedores sofreram o mesmo tipo de pressões para uma desvalorização interna. Estas pressões acabaram por ditar o fim do “Padrão Ouro”. A não ser que os desequilíbrios do euro entre países devedores e países credores sejam corrigidos, o mesmo poderá um dia acontecer com o euro. Mas como é possível corrigir estes desequilíbrios?
Para responder a esta pergunta é necessário compreender o que tem estado a acontecer na zona euro. Os países credores (por exemplo, a Alemanha) têm tido uma taxa de câmbio artificialmente baixa, enquanto os países devedores (por exemplo, Portugal) têm tido uma taxa de câmbio artificialmente alta. A Alemanha fora do euro teria um marco mais forte, o que faria diminuir as suas exportações, assim como o seu excedente. Portugal teria um escudo mais fraco, o que aumentaria as suas exportações e reduziria o seu défice. Isto não acontece porque Portugal e Alemanha têm a mesma moeda. Dito de outro modo, numa união monetária tem de se encontrar formas para que estes ajustamentos se realizem sem pôr em causa a existência da mesma, tal como acontece no cenário actual.
Existem algumas soluções para resolver este problema para além daquela que tem sido aplicada, ou seja, a austeridade e a desvalorização interna nos países devedores. Algumas destas hipóteses têm sido amplamente discutidas na imprensa: (1) inflação nos países credores, (2) união bancária, (3) banco central que funcione como emprestador de última instância quando os bancos entram em crise de liquidez, e (4) federação fiscal da zona euro.
Os países credores, devido ao trauma da hiperinflação no período entre as duas guerras mundiais, opõem-se veementemente à 1.ª hipótese. Foram, no entanto, dados alguns passos no sentido da 2.ª solução. Mas a união bancária acordada na zona euro é ainda muito incompleta. Como tal, não se sabe se vai ser suficiente para evitar crises futuras. Do mesmo modo, a promessa de Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu (BCE), de “defender o euro a todo o custo”, foi um pouco na direcção da 3.ª solução. De facto, a redução das taxas de juro da dívida portuguesa, quer queiramos quer não, deve-se principalmente à intervenção do BCE. No entanto, esta solução está no limbo dos tratados europeus e não é possível garantir a sua continuidade no futuro.

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