O Campeonato Mundial de Futebol ainda mal aqueceu e o espaço mediático já só respira as tricas da FIFA, os deslizes dos árbitros e a goleada ao campeão. A coisa vai piorar a partir de hoje.
Alfredo Leite
A entrada em cena da seleção de todos nós promete intensificar a anestesia coletiva e desviar a atenção de um mundo - o que fica para lá das 4 linhas - onde o ministro ucraniano dos Negócios Estrangeiros, por exemplo, protagonizou uma nova fase da escalada da violência no conflito que opõe Kiev à Rússia. Um dia depois de um avião da Ucrânia ter sido abatido por rebeldes pró-russos - causando quase 5 dezenas de mortos -, Andrii Dechtchitsa resolveu mandar a diplomacia às urtigas e chamar "parvalhão" ao presidente russo Vladimir Putin. Poderia tratar-se apenas de uma declaração mal-educada, mas ela foi igualmente perigosa. E não foi somente arriscada porque o ministro falava à frente de uma multidão que tentava atacar a Embaixada russa na capital ucraniana. A verborreia do governante em nada contribui para a promoção urgente do diálogo entre as partes e, agora, dificilmente os russos se sentarão a uma mesa de negociações com um homem que insultou Putin.
O futebol não nos deve igualmente afastar a atenção do Iraque. O berço da civilização suméria não viu apenas intensificar nos últimos meses a guerra da qual nunca saiu, mesmo depois da retirada norte-americana. O país está agora a braços com a ofensiva do Estado Islâmico do Iraque e do Levante, um grupo radical formado por dissidentes da Al-Qaeda que ameaça infernizar ainda mais a vida de tantos seres humanos martirizados por um conflito de que ninguém - e especialmente os EUA e a Europa - se pode desresponsabilizar.
Era útil também que as táticas e os golos não nos fizessem esquecer o mais recente país do Mundo. No Sudão do Sul há 50.000 crianças, segundo as Nações Unidas, em risco de morrer se a guerra continuar a impedir o envio de ajuda humanitária para aquele tumultuoso país africano. Problemas graves de nutrição, cólera e malária disparam no país ao ritmo dos tiros das kalashnikov leais ao poder de Juba e dos soldados que apoiam a fação demitida pelos atuais governantes.
Hoje, quando a voracidade televisiva voltar aos diretos do autocarro da seleção a caminho do estádio (onde todos esperamos uma vitória frente à Alemanha), era importante não esquecer o resto do Mundo - Portugal incluído - para além do país que já foi apenas do samba e do futebol. Agora há também por lá quem faça contas à vida e se manifeste nas ruas mostrando que há mais mundo para além de Ronaldo ou Neymar...
Não esquecer, em primeiro lugar, os “nossos” problemas para podermos pensar nos dos outros…
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