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sexta-feira, 20 de junho de 2014

Que a vida lhe seja longa e veja saldar-se o défice… democrático

Discípulo de Adorno, o pensador alemão vê a democracia como "palavra mágica" no seu sistema filosófico. O papel de observador crítico e engajado da Europa rendeu-lhe críticas, mas também reconhecimento.
O filósofo alemão Jürgen Habermas completou 85 anos no passado dia 18. Apesar da leitura nem sempre fácil, os seus sagazes diagnósticos da contemporaneidade – como em ‘Transformação estrutural da esfera pública’, a sua primeira grande obra –, os seus posicionamentos sobre temas controversos e as suas contribuições à filosofia analítica e política tornaram-no conhecido pelo mundo fora.
"O que atravessa a teoria de Habermas como um fio condutor é o tema 'democracia'. Ele próprio a definiu, certa vez, como a 'palavra mágica' de seu pensamento", diz Stefan Müller-Doohm, sociólogo e biógrafo do pensador. Um de seus componentes é a noção de que um sistema económico capitalista precisa de ser "domado" com meios democráticos.
O pensador sempre entende democracia no sentido de esfera pública e "na verdade, essa é outra expressão para aquilo que constitui a filosofia dele, ou seja: a ética do discurso", afirma Müller-Doohm.
Na contramão do assim chamado pensamento pós-moderno, Habermas considera possível que, mesmo num mundo globalizado, onde culturas distintas confluem, existam verdades e princípios morais universalmente válidos, aos quais cidadãos (do mundo) podem chegar através do discurso e consenso públicos.
A pré-condição para tal, contudo, é que os interlocutores não se comportem de forma estratégica – como é usual na política –, mas sim tendo em vista o entendimento mútuo, e que respeitem determinadas "regras do discurso". Cada um deve levar o outro a sério e partir do princípio de que o interlocutor é razoavelmente honesto e sincero, e todos devem ter a mesma oportunidade de ter a palavra. Além disso, todos os mecanismos de força devem ser excluídos. Assim, o discurso seria conduzido pela razão.
"Habermas fala da 'força não forçada do melhor argumento'. O que resulta da argumentação, no fim, é o que se pode denominar de 'provisoriamente verdadeiro' – sendo que não há verdades definitivas, só provisórias", resume Müller-Doohm.
Entretanto, o filósofo foi alvo de muitas críticas, pelo facto de as condições descritas por ele se referirem a uma "situação comunicativa ideal", que raramente se dá na realidade.
Da barbárie nazi à Escola de Frankfurt
Para o biógrafo Müller-Doohm, a democracia tornou-se tema existencial de Habermas devido principalmente às suas experiências pessoais, "especificamente por ter constatado, em 1945, que [os alemães] tinham vivido sob um regime criminoso, e que houvera uma recaída na barbárie".
Nascido em 18 de junho de 1929, em Düsseldorf, e crescido na também renana Gummersbach, Habermas era um adolescente quando o terror nacional-socialista chegou ao fim. Mais tarde, na década de 80, travaria uma célebre disputa histórica com Ernst Nolte. Enquanto o historiógrafo tentava traçar paralelos entre os crimes do nazismo e os do estalinismo, para Habermas, isso significava relativizar a crueldade inigualável do Holocausto.
Já durante a juventude, Habermas interessa-se por questões sociais e interfere nelas. Após estudar filosofia, economia e literatura alemã de 1949 a 1954, entre outras disciplinas, atua inicialmente como jornalista free-lance. Um dos jornais para que escreve é o Frankfurter Allgemeine Zeitung (FAZ).
As suas publicações atraem a atenção do filósofo Theodor W. Adorno (1903-1969), cofundador da Escola de Frankfurt da Teoria Crítica, juntamente com Max Horkheimer. Adorno leva Habermas para o Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt e influencia-o com a sua análise crítica da sociedade, a qual pretende expor os fundamentos da ideologia e os mecanismos de dominação.
Devido à aversão de Max Horkheimer, na época diretor do instituto, ao jovem de orientação marxista e politicamente engajado, Habermas é forçado a doutorar-se na cidade de Marburg. Em 1964, porém, retorna a Frankfurt, como catedrático de Filosofia e Sociologia, e sucessor de Horkheimer.
Vigilante da democracia na Europa
Na década de 60, Frankfurt é um dos bastiões dos, em parte violentos, protestos estudantis na Alemanha. Habermas é a favor da participação política pela desobediência civil, mas distancia-se de grupos radicais e do líder estudantil Rudi Dutschke, o qual acusa de fascismo de esquerda e acionismo (anti-intelectualismo), no seu escrito A pseudo-revolução e seus filhos.
Com essa atitude, o filósofo granjeia a hostilidade de boa parte da esquerda alemã. Em 1971, é convidado para codirigir o Instituto Max Planck em Starnberg, próxima de Munique.
É nessa época que ele publica a sua principal obra, ‘Teoria do agir comunicativo’. Nesse diagnóstico do tempo atual, Habermas coloca em primeiro plano a reorientação da integração social através da comunicação, e desenvolve uma teoria da intersubjetividade e da razão comunicativa. Em 1983, retorna a Frankfurt, onde leciona Filosofia até se aposentar, em 1994.
Além de continuar dando palestras como professor emérito, o pensador continuou a exercer influência sobre o discurso social na República Federal da Alemanha. Em 1999, por exemplo, pronunciou-se a favor da controversa intervenção militar da NATO na guerra do Kosovo. "Quando não há nenhuma alternativa, deve ser possível aos vizinhos democráticos recorrer à ajuda de emergência legitimada pelo direito internacional", declarou na época.
Habermas recebeu diversos prémios e distinções pelo seu engajamento social, como o Prémio Cultural de Hessen, em 1999, e o Prémio da Paz do Comércio Livreiro Alemão de 2001. Ao mesmo tempo, na qualidade de paladino do processo da integração europeia, também tem repetidamente apontado défices democráticos na União Europeia.
No contexto da "eurocrise", opôs-se a um curso de austeridade excessivamente rígido e disse-se a favor da ampliação da União Monetária a uma democracia "supernacional", em que os atuais Estados renunciem ainda mais à própria soberania.
"A visão dele é de uma sociedade cosmopolita, sem um governo global. E uma Europa unida é um importante impulsionador no sentido desse objetivo", considera Müller-Doohm.

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