Rui Tavares, fundador do esquerdista “Livre”, propõe uma redefinição dos papéis de Portugal, Itália, Grécia e Espanha no bloco europeu, para que não sejam mais chamados de "PIGS". O partido concorre ao Parlamento Europeu.
De cima de um pequeno palco numa livraria lotada de Lisboa, Rui Tavares discorre sobre "Ulisses". Mas o franzino homem de óculos redondos não é um crítico literário, e o seu assunto não é nem a personagem de Homero nem a de James Joyce.
O político português de 41 anos é um dos fundadores do partido “Livre”, de esquerda liberal, pelo qual vai concorrer a um assento no Parlamento Europeu nas eleições de 25 de maio. "Ulisses" é o nome do ambicioso projeto político-económico com que pretende redefinir o papel de países como Portugal, Itália, Grécia e Espanha na União Europeia.
"Com 'Ulisses', queremos alcançar, sobretudo, uma coisa: que os países do sul da Europa não sejam mais chamados de 'PIGS'", propõe, lembrando o termo pejorativo – traduzido, quer dizer PORCOS – com que os órgãos de imprensa designam esse grupo de Estados empobrecidos, duramente afetados pela crise europeia de endividamento.
Ideias inspiradas na história
Rui Tavares almeja conferir uma nova confiança e autoestima às nações meridionais do bloco. Para a solução da crise de endividamento estatal, quer convocar uma grande conferência, semelhante à de Bretton Woods, realizada em 1944 nos Estados Unidos.
Lá, os ministros de Finanças e presidentes de bancos centrais das 44 nações, futuras vencedoras da II Guerra Mundial, estabeleceram uma nova ordem monetária, definindo a criação do FMI e do Banco Mundial.
Para Tavares, não cabe a cada país europeu resolver o problema da dívida, mas sim à Europa como um todo. Além disso, a UE precisa de uma instituição financeira própria, independente, nos moldes do FMI, sob controlo do Parlamento Europeu. E a Europa Meridional necessita de um novo "Plano Marshall", como o que reergueu as economias europeias no pós-guerra.
Ao político – que também é escritor, tradutor e historiador – não faltam ideias para a Europa. Desde 2009 que atua no Parlamento Europeu, como deputado independente, e há pouco menos de 3 anos filiou-se na bancada do Grupo dos Verdes/Aliança “Livre” Europeia.
Em 2014, Tavares concorre novamente a um assento em Estrasburgo, mas desta vez representando a força política que ele próprio ajudou a fundar em Portugal. "O partido “Livre” repousa sobre 4 pilares: liberdade, esquerdismo no sentido clássico – quer dizer, igualdade e justiça social – e também ecologia e Europa", explica.
Aposta na União Europeia
"Atualmente são fundados por toda parte, seja na Alemanha ou na Inglaterra, partidos antieuropeus e populistas. Por isso, muitos nos perguntam como podemos identificar-nos hoje em dia com a Europa, de forma tão forte e positiva, quando tanta gente está dececionada com ela", conta o visionário lusitano.
Também em Portugal a sua estratégia é ousada. Segundo os mais recentes dados do Eurobarómetro da Comissão Europeia, quase 2/3 dos portugueses veem com pessimismo o futuro da União Europeia.
Há quase 3 anos o país implementa um rigoroso plano de reformas e austeridade, estabelecido com a CE, o FMI e o BCE, em troca de um pacote de resgate no montante de 78.000 milhões de euros.
Europa mais independente
Dessa Europa, porém, Rui Tavares distancia-se. "Não nos identificamos com a UE que é liderada pelo nosso compatriota [José Manuel] Barroso e que não encontrou nenhuma resposta para a crise económica, ecológica ou social. Mas nós acreditamos que os europeus têm um futuro comum, construído sobre os princípios democráticos, os direitos fundamentais e um bem-estar compartilhado. A Europa deve tornar-se soberana, no sentido de ter o seu futuro nas suas próprias mãos."
O historiador lusitano – que contribui regularmente para o jornal liberal “Público” – também se reporta à atual crise entre a Ucrânia e a Rússia. Segundo ele, a dependência dos Estados da UE em relação ao gás natural russo poderia ser reduzida a longo prazo se os países meridionais produzissem energia para o Centro e o Norte de Europa. Neste ponto, o português cita como modelo a Tennessee Valley Authority (TVA). No contexto do New Deal – a resposta do presidente americano Franklin D. Roosevelt à Grande Depressão – essa corporação foi criada na década de 1930 para canalizar investimentos para grandes projetos de energia no então empobrecido sul dos Estados Unidos. Da mesma forma, na visão de Tavares, a UE deveria criar um departamento governamental comparável à TVA, com a finalidade de coordenar a produção em larga escala de energias renováveis no sul da Europa.
Formas democráticas inéditas
Na livraria lisboeta, os 6 candidatos do novo partido ao Parlamento Europeu discutem sobre o projeto "Ulisses", sobre o planeado acordo de “Livre” comércio entre a UE e os EUA, e sobre a corrupção e o abuso de poder a nível europeu. A lista dos candidatos foi definida na internet pelos adeptos do “Livre”.
Este princípio de democracia de base também agrada à eleitora Ofélia Janeiro, que ouve atentamente os políticos, sentada numa escada da livraria. "Isto é algo totalmente novo para nós. Nunca houve esta forma de democracia direta em Portugal. Aqui podemos participar e até mesmo redigir com eles o programa do partido."
Nos meios intelectuais de esquerda da capital portuguesa, a fação e seu fundador Rui Tavares já se estabeleceram. Entretanto, o pesquisador Pedro Magalhães duvida que a nível nacional o “Livre” consiga suficientes votos para atuar em Estrasburgo. "O partido não é verdadeiramente visível. E faltam-lhe subvenções estatais para poder realizar uma campanha eleitoral expressiva", analisa.
Porém, o pleito europeu é apenas um primeiro passo para Rui Tavares. A sua maior meta é que o “Livre” consiga reconciliar os demais grupos de esquerda em Portugal. E assim, nas próximas eleições parlamentares nacionais, em meados de 2015, as portas para uma coligação governamental de centro-esquerda estejam abertas.
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