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quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Ser de esquerda ou ser de direita dará razão a alguém?

Do cantor e músico Pedro Abrunhosa cada um terá a ideia que quiser. Mas das ideias de Pedro Abrunhosa sobre a democracia, a crise e o grande capital, já sabemos o que ele pensa. Diz que "o grande capital percebeu que não precisa da democracia para nada".
Henrique Monteiro
Esta frase é um programa. Porque significa que, em cabeças como a de Pedro Abrunhosa, cuja preocupação com a democracia não era tão grande quando a sua falta se fazia sentir - e de que forma - no leste e no Sol da Terra, como os comunistas chamavam a União Soviética - em cabeças como a dele, afirmava -, a democracia é apenas uma estratégia dos mercados e não passa disso. Se o "grande capital" (um chavão para designar coisas que vão de crimes a grande negócios lícitos e até filantrópicos e quem sabe se o dinheiro que o próprio ganha com o seu trabalho) - se o "grande capital", dizia -, precisa de democracia, temos democracia, se o grande capital entende que ela é desnecessária a democracia entra em crise. Demasiado básico? Com certeza, mas é o que faz caminho por certa esquerda.
Ora a ideia de democracia, que hoje se funda na necessidade de justiça social, voto popular para todos e possibilidade de alterar os governos de forma pacífica, é uma realidade em boa parte do mundo, ao contrário do que se passava há 20 ou 30 anos. Basta ver que, melhor ou pior, o Leste Europeu, a América Latina, boa parte da Ásia e da África se democratizaram, ao mesmo tempo que a globalização ia tornando o "grande capital" cada vez maior. Na China, onde "o grande capital" ainda é controlado pelo Partido Comunista, começam a existir reivindicações democráticas e o mesmo se passa um pouco por todo o lado onde subsistem ditaduras.
Por isso, ao invés daquele simplismo de Abrunhosa, podemos dizer que a globalização tem trazido 3 coisas que contrariam o discurso mais velho e relho da esquerda:
1) Aumento desmesurado da riqueza dos mais ricos; criação de novas fortunas imensas em países considerados emergentes e explorados (México, Turquia, China ou mesmo Angola); 
2) Diminuição da pobreza dos mais pobres (isto só é contraditório para quem acredita que as quantidades de bens no mundo não se alteram, mas esses já deviam ter refletido no facto de haver 7.000 milhões de pessoas que continuam a comer, umas melhor e outras pior, contra todas as previsões dos malthusianos);
3) Expansão significativa do modelo democrático em todo o planeta.
Quando as luminárias das Aulas Magnas (a que ontem aqui se referia Ricardo Costa) e de outros fóruns digerirem a realidade, talvez percebam que a mudança no mundo não corre a favor dos mesmos - de nós, ocidentais e europeus - como vinha a acontecer desde, pelo menos, a revolução industrial. Talvez aprendam a ser humildes e a compreender que o paleio do costume já não cola nem com a realidade, nem com o bom senso, nem sequer com a simples observação. É preciso um maior esforço - já não bastam chavões.
Podem fazer manifestos contra a crise, como podem fazer manifestos contra o vento ou contra o nascer do Sol. Mas esta crise, que não é essencialmente do "grande capital", mas de uma nova arrumação do mundo, está aí para durar.
Recebemos, de Pedro Abrunhosa, o seguinte texto com pedido de publicação ao abrigo do Direito de Resposta, relativamente a uma crónica publicada a 31 de janeiro passado:
"Não esperaria de Henrique Monteiro, cronista do Expresso, outra reacção à minha intervenção sobre a repercussão nefasta que a falta de investimento público produz na economia em áreas axiomáticas como Saúde, Justiça, Educação, Investigação e Cultura, do que aquela que teve em artigo recente que me dedica, revelando surpreendente desconhecimento no que afirma.
Afirmei que a democracia foi tomada de assalto por interesses financeiros privados, aos quais são alheias as vontades e necessidades básicas das populações. Aleguei que, pelo crescente transvase biunívoco entre governantes e altos dirigentes de grupos ligados à banca, o “capital” tinha deixado de necessitar do processo democrático para fazer vingar uma agenda não política, não ideológica, mas apenas financeira. Se se apresentassem a votos em vez de partidos, as agências de rating, o BCE, ou administradores de multinacionais, instituições que efectivamente governam sem este sufrágio, certamente os eleitores europeus pensariam duas vezes antes de os eleger. Ou  aumentaria ainda mais a já assustadora abstenção que decorre deste divórcio entre eleitores e “coisa eleita”, abstenção, em si também, uma séria ameaça ao sistema democrático.
Como no caso de algumas democracias islâmicas, onde há uma total submissão ao poder eclesiástico e religioso, as democracias ocidentais sucumbiram a outras forças maiores que transformaram os avanços civilizacionais do pós-guerra, para todos, em propriedade de muito poucos: o capital, o lucro, a ganância. A democracia existe, é um facto, mas atropelada por esta selvagem verdade: “de um homem, um voto, passámos a um dólar, um voto”. Ainda segundo Joseph Stiglitz, no seu livro “O Preço da Desigualdade”: “A seguir à II Guerra Mundial, o FMI passou a ser o instrumento eleitoral a que os países entregavam na realidade a soberania”. E prossegue: “Os mercados financeiros conseguem o que querem. Podem existir eleições livres, porém, do modo como são apresentadas aos eleitores, não existe uma verdadeira escolha nas questões que realmente lhes interessam, as questões da economia.”
Também o Nobel e Economista, Paul Krugmam, afirmou, e cito: “Nos anos 70 iniciou-se o processo de globalização, que em vez de beneficiar todas as nações, tendeu a produzir ganhos para alguns à custa de outros. A visão geral era que a integração dos mercados mundiais produziam 'desenvolvimento desigual', um aumento nos padrões de vida das nações ricas à custa das pobres”.
Já no seu livro, “O Fim Da Pobreza”, o professor Jeffrey Sachs, maior especialista mundial na área, defende que os investimentos prioritários devem ser nas áreas da agricultura, sendo proposto que se subsidiem os preços de fertilizantes e sementes, saúde pública, como a construção de clínicas que permitam a prestação de cuidados médicos e distribuição de medicamentos a baixo custo, educação, através da construção de escolas e do fornecimento de refeições às crianças com o objectivo de promover a assiduidade, combater o abandono escolar e melhorar os resultados dos alunos, água potável, saneamento básico, transportes e comunicações. Não creio que alguma destas realidades esteja na agenda das democracias vigentes da forma que são tuteladas.
HM chama-me simplista. Neste meu “simplismo”, não estou nada mal acompanhado, como se vê. Já o mesmo não posso afirmar das actuais companhias ideológicas de HM, e das antigas tão pouco.
Enquanto Músico, tenho andado pelo mundo, conhecido o chão de muita gente. Mas sobretudo tenho cruzado ano após ano o chão do meu País. Sei da sua frágil situação porque estou na estrada quase ininterruptamente há mais de 25 anos. O País que eu conheço tem fome, tem necessidade de Paz social, de Justiça célere, de um Sistema Nacional de Saúde humano, omnipresente, de um sistema de Ensino de qualidade e gratuito, de creches, centros de dia, tem necessidade de Bondade, de não deixar morrer os seus na solidão mais triste. O País que eu conheço não é o país que HM conhece, mas sim aquele que ele, no confortozinho do seu gabinete, desconhece. Portugal precisa de uma democracia a sério, participada e esclarecida, de reformar os seus agentes políticos, as suas políticas, as suas falsas elites, mas também alguns dos seus arautos, sobretudo os que nunca souberam vencer o complexo maoísta, como HM, que entrou no pequeno livrinho vermelho do qual, lamentavelmente, não conseguiu ainda sair cabalmente sem ter que afirmar estas banalidades simétricas como se expurgasse de dentro um arrependimento qualquer."

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