(per)Seguidores

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Politicamente incorreto, orçamentalmente oportunista

Em 2013, o Governo "liberal na economia" de Pedro Passos Coelho e de Paulo Portas fez primeiro um "enorme aumento de impostos". Não contente com o prejuízo moral que a jogada provocou no seu eleitorado, em 2014 vai rifar carros. Carros... A esmagadora maioria importados, a distribuir pelas "famílias endividadas" que "consomem acima das suas possibilidades". Pior: automóveis novos de gama alta.
Luís Reis Ribeiro
A memória é curta, as eleições estão à porta, cortar na despesa custa e gera anti-corpos políticos, é sempre mais fácil ir pela coleta de impostos, mas basta recuar 3 anos (à altura em que o Executivo PSD/CDS ganhou as eleições) para se perceber o grotesco desta nova situação.
O défice comercial no segmento dos veículos automóveis foi - durante anos a fio, até 2011 - um dos maiores catalisadores do tão famigerado desequilíbrio externo da economia.
Em 2012 e sobre o que sabe de 2013 (até novembro), Portugal ainda exporta mais carros do que importa devido à travagem a fundo do consumo das famílias e das empresas, também elas boas clientes do sector. O sector é excedentário, mas a posição favorável está-se a esvair à medida que se confirma a tal retoma. Um excedente que foi um interlúdio, portanto.
Mas antes de chegar a troika - e durante décadas, sempre que houve mais dinheiro no bolso - o negócio dos carros foi um gerador clássico de défice externo. Isto porque força a economia a pedir dinheiro emprestado lá fora, para pagar os carros que cá entram.
Os números são monumentais: em 2009, o défice comercial neste segmento atingiu cerca de 1.700 milhões de euros; em 2010, engordou para 2.300 milhões; em 2011, com a recessão a invadir o país, aliviou para 655 milhões. Mas era assim o Portugal pré-crise da dívida.
Ora, Governo e troika desenharam um programa de ajustamento em que um dos pilares (são 3) é, justamente, o da "diminuição do endividamento da economia".
Tendo em mente o 3.º pilar - "transformação estrutural" - também se percebe que isto de dar automóveis incuba um género de amnésica hipocrisia, uma lição imoral. É uma manobra perigosa, dá sinais totalmente errados. O Governo está a compactuar com uma retoma defeituosa contra a qual tanto se indignou. Seria só fachada?
Não é função do Estado moralizar ou dirigir sobre hábitos de consumo: seja contra, como tem sido apanágio quase diário, seja a favor, como faz agora com as faturas que vão andar à roda.
Dito isto fica-se a pensar. Portugal até produz carros, que exporta. Correto. Mas não será próprio (nem legal) da parte do Estado privilegiar a Autoeuropa, a única fábrica de veículos familiares e utilitários que existe no mercado doméstico. Seria pouco amigo da “economia de mercado”, da concorrência. Seria altamente indigesto para Bruxelas, por exemplo.
O Executivo do "precisamos de uma economia mais aberta, de fazer o ajustamento dos nossos desequilíbrios externos e deixar de viver acima das nossas possibilidades" vai tentar maximizar a receita fiscal através de uma operação que, antes de tudo o mais, remete para aquilo que durante os últimos anos foi e continua a ser demonizado pelo Governo e a troika.
Consumir menos para depender menos do crédito e aguentar as invectivas sobre os direitos laborais. Consumir menos para que o choque salarial (em prol da competitividade da economia) seja menos frontal e não mutile ninguém.
Esta lição imoral das Finanças, com a cara do secretário de Estado do Fisco, Paulo Núncio (CDS) - e imoral porque vai contra toda a filosofia que pautou o ajustamento e contra o que dizem pretender para o futuro - está a dizer aos portugueses que melhor que cumprir obrigações fiscais é ter carrinho novo à porta todas as semanas, onde se poderá meter gasolina de petróleo importado e emitir mais dióxido de carbono para depois pagar mais impostos verdes.
Irónico ou sinistro, há impostos (e cada vez mais pesados) sobre estes consumos politicamente incorretos, mas orçamentalmente oportunos.
Uma nota final: porquê carros? Por que não pacotes de férias em Portugal? Quem fica a ganhar com esta nova roda da sorte? Quem fica a perder, além da economia?

Sem comentários:

Enviar um comentário