Não faz falta celebrar o 25 de Abril hoje. O que faz falta é respirar democracia o ano inteiro.
Muito sinceramente, não vejo que sentido faça a celebração do 25 de Abril com discursos de retórica, evocações de princípios e conversas de circunstância sobre os ideais dessa Primavera distante, como que a querer dar um ar de aparente normalidade e de plena convivência democrática, quando na verdade, uns poucos os praticam e outros tantos os usurpam, invocando em vão o nome dos valores, dos direitos, liberdades e garantias conquistados há 38 anos, e quando tão pouca é a democracia que se respira durante o resto do ano.
Têm, portanto, toda a liberdade para abdicar do palanque e da condecoração, da cadeira da tribuna e da decoração de cravos na lapela ou no parlamento, quem entender que deve praticar um outro exercício que completa a democracia: a liberdade para dizer não quero e não vou por este caminho. São livres de dizerem que não concordam e até repudiam, que decidem romper o protocolo por solidariedade de outras causas ou aspirações que são tão legítimas de um povo que sofre para ter pão, que paga a gasolina ao preço da Alemanha mas que leva para casa um salário tão magro que nem tem comparação nessa união de disparidades e de acomodações.
Os protagonistas do 25 de Abril de hoje não são apenas os políticos, os militares, os ex-presidentes da República ausentes ou presentes. São cada vez mais os trabalhadores que sustentam os devaneios de quem tem governado mal e empregue de forma criminosa o erário e o bem público. São também os desempregados que querem trabalhar, os montadores de bancadas, a mulheres dos arranjos florais, os músicos da banda, os polícias, os inspectores tributários, os peritos do Departamento Central de Investigação e Accão Penal.
E que bom seria que a consciência individual deste povo basáltico despertasse das brumas da memória, descolasse dos socalcos do vale à montanha nem que fosse apenas para se abeirar e espreitar a dimensão da cratera que se foi abrindo ao longo destes anos para ao menos reflectir sobre o buraco bem maior do que aquele dos furados que nos puseram tantos anos a contemplar, escrutinando de 4 em 4 anos, e cuja factura foi caindo (sem ninguém sentir) nas nossas mãos como um cartão de crédito com milhares de euros em juros somados. É óbvio que nós não queremos este ‘prémio’ de natalidade nem desejamos deixá-lo como herança para os nossos filhos. Nesta democracia em eterna construção, não há cravos mas flores da laranjeira. No dia em que percebermos todos que o 25 de Abril, para florir, não pode crescer à sombra de ninguém, a data deixará de ser uma efeméride do passado evocada no presente para se tornar finalmente num marco histórico do presente inspirado na história do passado.
De que serve festejar um 25 de Abril sem conteúdo?!
ResponderEliminarHá muito boa gente que tem mais do que razões, embora nada tenham feito senão aproveitar-se...
Eliminar