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sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Porque rejeitou a terapia de choque neoliberal do FMI

País nórdico recusou a receita do FMI, deixou os bancos falirem e condenou os responsáveis pela crise.
Salim Lamrani
Quando, em setembro de 2008, a crise económica e financeira atingiu a Islândia – pequeno arquipélago no norte da Europa, com uma população de 320.000 habitantes –, o impacto foi desastroso, tal como no resto do continente. A especulação financeira levou os 3 principais bancos à falência, de modo que os seus ativos representavam uma soma 10 vezes superior ao PIB do país, com uma perda líquida de cerca de 65 mil milhões de euros. A taxa de desemprego multiplicou-se por 9 entre 2008 e 2010, quando, antes, o país gozava de pleno emprego.
A dívida da Islândia representou 900% do PIB e a moeda nacional desvalorizou-se 80% em relação ao euro. O país caiu numa profunda recessão, com uma diminuição do PIB em 11% em dois anos (1).
Diante da crise
Em 2009, quando o governo quis aplicar as medidas de austeridade exigidas pelo FMI em troca de uma ajuda financeira de 2,1 mil milhões de euros, uma forte mobilização popular obrigou-o a renunciar. Nas eleições antecipadas, a esquerda ganhou a maioria absoluta no Parlamento (2).
No entanto, o novo poder adotou a lei Icesave – cujo nome provém do banco online que faliu e cujos depositantes eram, na maioria, holandeses e britânicos – com a finalidade de reembolsar os clientes estrangeiros. Essa legislação obrigava os islandeses a reembolsar uma dívida de 3,5 mil milhões de euros (40% do seu PIB) – 9.000 euros por habitante – em 15 anos e com uma taxa de juros de 5%. Diante dos novos protestos populares, o presidente recusou-se a assinar o texto parlamentar e submeteu-o a referendo. Em março de 2010, 93% dos islandeses rejeitaram a lei sobre o reembolso das perdas do Icesave. Quando foi submetida novamente a referendo em abril de 2011, 63% dos cidadãos voltaram a rejeitá-la (3).
Uma nova Constituição, redigida por uma Assembleia Constituinte de 25 cidadãos eleitos por sufrágio universal entre 522 candidatos, composta por 9 capítulos e 114 artigos, foi adotada em 2011. Ela prevê o direito à informação, com acesso público aos documentos oficiais (Artigo 15), a criação de uma Comissão de Controlo da Responsabilidade do Governo (Artigo 63), o direito à consulta direta (Artigo 65) – 10% dos eleitores podem pedir um referendo sobre as leis votadas pelo Parlamento –, assim como a nomeação do primeiro-ministro pelo Parlamento (4).
Assim, ao contrário das outras nações da União Europeia na mesma situação, que aplicaram escrupulosamente as recomendações do FMI que exigiam medidas de austeridade severas, como na Grécia, Portugal, Irlanda, Itália ou Espanha, a Islândia escolheu uma via alternativa. Quando, em 2008, os 3 principais bancos do país – Glitnir, Landsbankinn e Kaupthing – desmoronaram, o Estado islandês negou-se a injetar neles fundos públicos, tal como tinha feito o resto da Europa. Em vez disso, realizou a sua nacionalização.
Do mesmo modo, os bancos privados tiveram que cancelar todos os créditos com taxas variáveis que superavam 110% do valor dos bens imobiliários, o que evitou uma crise de subprime, como nos Estados Unidos. Por outro lado, a Corte Suprema declarou ilegais todos os empréstimos ajustados em divisas estrangeiras que foram outorgados a particulares, obrigando assim os bancos a renunciarem aos seus créditos em benefício da população (5).
Quanto aos responsáveis pelo desastre – os banqueiros especuladores que provocaram o desmoronamento do sistema financeiro islandês –, não beneficiaram da mansidão que mostrou o resto da Europa, onde foram sistematicamente absolvidos. Com efeito, Olafur Thor Hauksson, Procurador Especial nomeado pelo Parlamento, perseguiu-os e prendeu, inclusive o ex-primeiro-ministro Geir Haarde (6).
Uma alternativa à austeridade
Os resultados da política económica e social islandesa têm sido espetaculares. Enquanto a União Europeia se encontra em plena recessão, a Islândia beneficiou de uma taxa de crescimento de 2,1% em 2011 e prevê uma taxa de 2,7% para 2012, além de uma taxa de desemprego de 6% (7). O país até se deu ao luxo de realizar o reembolso antecipado das suas dívidas ao FMI (8).
O presidente islandês Olafur Grímsson explicou este milagre económico: “A diferença é que, na Islândia, deixamos os bancos falirem. Eram instituições privadas. Não injetamos dinheiro para as salvar. O Estado não tem por que assumir essa responsabilidade”. (9)
Agindo contra qualquer prognóstico, o FMI saudou a política do governo islandês – o qual aplicou medidas totalmente contrárias às que o Fundo preconiza –, que permitiu preservar “o precioso modelo nórdico de proteção social”. De facto, a Islândia dispõe de um índice de desenvolvimento humano bastante elevado. “O FMI declara que o plano de resgate islandês oferece lições nos tempos de crise”. A instituição acrescenta que “o facto de a Islândia ter conseguido preservar o bem-estar social das unidades familiares e conseguir uma consolidação fiscal de grande envergadura é uma das maiores conquistas do programa e do governo islandês”.
No entanto, o FMI omitiu a informação de que estes resultados só foram possíveis porque a Islândia rejeitou a sua terapia de choque neoliberal e elaborou um programa de estímulo económico alternativo e eficiente. (10)
O caso da Islândia demonstra que existe uma alternativa credível às políticas de austeridade que são aplicadas na Europa. Estas, além de serem economicamente ineficientes, são politicamente custosas e socialmente insustentáveis. Ao escolher colocar o interesse geral acima do interesse dos mercados, a Islândia mostra o caminho ao resto do continente para escapar do beco sem saída.
Salim Lamrani  é Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos da Universidade Paris Sorbonne-Paris IV, Salim Lamrani é professor responsável por cursos na Universidade Paris-Sorbonne-Paris IV e na Universidade Paris-Est Marne-la-Valée e jornalista, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos. O seu último livro intitula-se Etat de siège. Les sanctions économiques des Etats-Unis contre Cuba, Paris, Edições Estrella, 2011, com prólogo de Wayne S. Smith e prefácio de Paul Estrade.
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Referências bibliográficas
1) Paul M. Poulsen, ‘‘Como a Islândia, uma vez à beira do precipício, se restabeleceu’’, Fundo Monetário Internacional, 26 de outubro de 2011.
(2) Marie-Joëlle Gros, ‘‘Islândia: a retomada de uma dívida suja’’, Libération, 15 de abril de 2012.
(3) Comissão de cancelamento da dívida do Terceiro Mundo, “Quando a Islândia reinventa a democracia”, 4 de dezembro de 2010.
(5) Marie-Joëlle Gros, “Islândia: a retomada de uma dívida suja”, op. cit.
(6) Caroline Bruneau, “Crise islandesa: o ex-primeiro-ministro não está aprovado”, 13 de maio de 2012.
(7) Ambrose Evans-Pritchard, “A Islândia ganhou no fim”, The Daily Telegraph, 28 de novembro de 2011.
(8) Le Figaro, “A Islândia já reembolsou o FMI”, 16 de maço de 2012.
(9) Ambrose Evans-Pritchard, “Islândia oferece uma tentação arriscada à Irlanda terminada a recessão”, The Daily Telegraph, 8 de dezembro de 2010.
(10) Omar R. Valdimarsson, “FMI diz que resgate ao estilo da Islândia traz lições em tempos de crise”, Business Week, 13 de agosto de 2012.

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