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domingo, 29 de abril de 2012

O senso comum até parece ser uma insurreição…

É terno, consensual e pragmático. E, no entanto, se for eleito Presidente de França, o candidato socialista pode mudar o curso da política na Europa, garante um editorialista espanhol.
Ainda não há muito tempo, se alguém dissesse que uma personagem como François Hollande podia encarnar a esperança de milhões de europeus num começo de rebelião contra o asfixiante estado das coisas, seria tido como louco.
Nada na sua figura de probo funcionário público ou comerciante, no seu caráter pragmático e consensual ou na sua visão política de tíbio centro-esquerda, faz de Hollande um génio da panache [galhardia] Cyrano de Bergerac, um gigante histórico como De Gaulle ou um artista florentino da política como Mitterrand. E, no entanto, sinal destes tristes e medíocres tempos, Hollande é agora olhado em todo o Velho Continente como o único Astérix possível que, a partir da desde sempre indómita aldeia gaulesa, se levanta contra o império germânico da austeridade e dos cortes, e propõe a estimulação do crescimento e do emprego como primeiro objetivo económico coletivo.
Um sentido comum revolucionário
Na memória recente, nenhuma outra eleição presidencial francesa teve uma dimensão tão continental como a presente. Berlim, Frankfurt, Bruxelas, Paris, Londres, Roma, Madrid, todas as outras capitais europeias, e também os chamados “mercados” e muitos cidadãos anónimos, sabem que o que está em jogo nestes comícios é se o duo Merkozy continua a mandar, com o seu dogma de equilíbrio orçamental a todo o custo, ou se se produz a primeira tentativa séria de introduzir num lugar mais privilegiado da agenda europeia o objetivo da expansão ou reativação económica geradora de postos de trabalho. Algo de crucial para os países intervencionados, tutelados ou sob suspeita – Grécia, Portugal, Espanha, Itália, a própria França – e também para a própria Alemanha.
Como disse Thomas Paine, pai intelectual da independência dos Estados Unidos da América, há momentos em que o sentido comum se converte em revolucionário. É o que está a acontecer com o moderado Hollande. Não apresenta propostas por esquerdismo ideológico, chauvinismo gaulês, vontade de quebrar o eixo Paris-Berlim ou antieuropeísmo. Fá-lo para tentar deter aquilo a que Paul Krugman chama “o suicídio económico europeu”, coisa que acaba de ser explicada pelo FMI.
Hollande faz parte daqueles que pensam que houve um grave erro de diagnóstico e, consequentemente, de tratamento. O doente europeu tem um tumor grave (crescimento e emprego), mas a equipa médica de que Merkel é a chefe mais visível está a tratar unicamente de outro dos seus problemas: o orçamento (défice e dívida). E, claro, a redução dramática da dieta do doente agravou o nunca abordado mal primário. Para isto, contribuíram interesses pecuniários (os chamados mercados), o fundamentalismo ideológico neoliberal (quanto menos Estado, melhor) e as obsessões contabilísticas alemãs (inflação mínima e défice zero).
Voltar a fazer história
Hollande rompeu o dogma. Há uns lustros, as suas ideias teriam sido consideradas tímidas, mas hoje, parecem insurrecionais. Na Europa, defenderá duas ideias que farão comichão a Merkel: a taxa sobre as transações financeiras e a criação de euro-obrigações.
Hollande, como escreveu Miguel Mora em El País, converteu-se “na grande esperança de muitos europeus para mudar a história”. A sua rebelião contra a Berlim de Merkel pode encontrar aliados mais ou menos explícitos. Para Espanha seria bom, para já não falar da Grécia e de Portugal. A sua insurreição também pode chegar à Alemanha, onde o SPD pede uma mudança de rumo europeu na direção do crescimento e do emprego. E, atenção, é possível que os sociais-democratas ganhem as eleições alemãs de 2013 ou consigam um resultado tão alto que Merkel se veja obrigada a pedir-lhes apoio para um governo de coligação.
Quem sabe? Por enquanto, têm a palavra os eleitores franceses. Paradoxalmente, se escolherem o homem menos carismático que se possa imaginar, Hollande, a sua decisão poderá ter um profundo alcance europeu. Poderão voltar a fazer história.
CONTRAPONTO - O remédio francês de sempre
“Ao contrário de outros países mediterrânicos, a França continua a agarrar-se à ideia de que a atual crise europeia resulta da globalização, do mercado livre e do capitalismo anglo-saxónico”, escreve o Rzeczpospolita. Apesar das diferenças entre os candidatos à presidência da França, ambos acreditam que “aumentar impostos, vender mais títulos de dívida pública e combater o canalizador polaco (ou o pedinte romeno ou o desempregado tunisino) é a melhor forma de combater a crise”.
Na opinião do jornal diário conservador polaco, isto poderá ser o prenúncio de problemas para a Europa, especialmente se François Hollande ganhar as eleições, uma vez que tem uma visão da Europa totalmente diferente da de Angela Merkel e tenciona estimular a economia com o aumento de impostos e mais despesa pública. O Rzeczpospolita realça que a sua vitória poderia também "aguçar o apetite da esquerda europeia” e anunciar uma “mudança política radical [para a esquerda] na Europa”, tendo em vista as próximas eleições na Grécia e, mais tarde, na Holanda e na Alemanha, em 2013.

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