Saiba o que pensam sobre o assunto.
Quem ler vai ficar com a dúvida se João Semedo é iletrado em Saúde e se Teófilo Leite é iletrado em política, não só pelas atividades em que são (re)conhecidos, também pelos “interesses” que defendem, mas sobretudo pelas respostas que dão às mesmas perguntas, que nos deixam baralhados, talvez porque os iletrados sejamos nós, ou pensem que somos…
É só ler, avaliar e classificar…
João Semedo: "Entre a qualidade e a poupança, o Governo escolhe a poupança"
Teófilo Leite: "Precisamos de um ministro de Saúde e não um ministro do SNS"
1. Acha que é possível manter o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tendencialmente gratuito?
JS: Num contexto de crescimento económico, mesmo mantendo a reduzida percentagem do PIB que é destinada à despesa pública de saúde, o financiamento do SNS por via do Orçamento do Estado seria mais que suficiente. Mas, mesmo no ponto em que se encontram quer a economia quer as contas públicas, não há necessidade de sobrecarregar os cidadãos se o OE afectar mais verbas à saúde e se forem eliminadas despesas supérfluas (PPP, sub-sistemas, outsourcing, falsa inovação). Financiamento em função da despesa, contratualização da produção, gestão rigorosa e eliminação da transferência de fundos públicos para os prestadores privados são medidas capazes de garantir nesta conjuntura o equilíbrio das contas do SNS.
TL: Acho que é possível manter os actuais níveis de comparticipação do cidadão, desde que se introduza concorrência na prestação de cuidados de saúde e concorrência no financiamento. O que é preciso é atacar o problema de fundo que é o desenho do Sistema de Saúde Português. A propósito, conviria acabar com a confusão entre o que é o Sistema de Saúde Português e o Serviço Nacional de Saúde tão injustamente chamado também de Sistema Nacional de Saúde. É preciso colocar o cidadão no centro do sistema e conferir-lhe maior poder de decisão e maior responsabilidade na gestão da sua própria saúde.
2. A liberdade de escolha na Saúde traria vantagens para os cidadãos? E para o Estado?
JS: Já há liberdade de escolha em Portugal, mas apenas para quem tem dinheiro para poder escolher. A liberdade de escolha é uma armadilha da direita. Em abono da verdade, o que motiva a direita não é dar possibilidade de escolha às pessoas mas, sim, conseguir que o Estado pague essa opção, isto é, a pessoa escolhe um médico ou um hospital privado e o Estado paga. Paga o Estado e pagamos todos nós. Este sistema, a impor-se em Portugal, seria um seguro de vida para o sector privado e a ruína financeira do SNS. Portugal não dispõe de recursos financeiros suficientes para alimentar dois sistemas em paralelo: um privado e outro público, ambos financiados pelo Estado. Num prazo muito curto, o SNS seria residual e assistencialista.
TL: Portugal precisa de efectivar o seu Sistema de Saúde Português, sob as bases da liberdade de escolha do cidadão e à luz do princípio do Estado Garantia. É ao maximizar a liberdade de escolha de todos os cidadãos que se potencia o bem-estar de cada um. É tempo de potenciar o Sistema de Saúde Português, ou seja, as sinergias e as complementaridades entre unidades de saúde, qualquer que seja a sua natureza, com capacidade instalada e recursos humanos adequados. É tempo de dar a devida atenção à amplitude total da oferta hospitalar em Portugal, bem como aos potenciais benefícios (económico-financeiros, sociais e de saúde) de uma rede hospitalar mais ampla e mais articulada, em que o dinheiro segue o doente, num quadro de total liberdade de escolha. Não seria este o melhor cenário para libertar o SNS de custos fixos e assentar os novos acordos em produção variável?
3. Como avalia a política que está a ser seguida pelo ministro da Saúde?
JS: A política de Paulo Macedo está completamente dominada pela obsessão da redução da despesa. O encerramento da Alfredo da Costa ilustra particularmente bem as opções do Governo: entre a qualidade e a poupança, o Governo escolhe sempre a poupança, mesmo que signifique piores cuidados.
TL: A política actual tem o mérito de procurar rectificar os desvios existentes, mas infelizmente continua a olhar para uma única árvore, o SNS, como se ela fosse toda a floresta. Precisamos de um ministro da Saúde e não um ministro do SNS. A sustentabilidade da Saúde só se alcançará com a participação activa e complementar dos prestadores privados, que são hoje centros de excelência em diversos domínios e têm capacidade instalada que pode ser rentabilizada.
4. O que vai resultar da aplicação das medidas do memorando da troika?
JS: O resultado já hoje está à vista: um SNS fortemente amputado, de difícil acesso, cuja qualidade está em perda. Vamos assistir ao aumento das listas de espera e à sobrelotação das urgências. Nos centros de saúde a falta de médicos vai continuar a sentir-se, apesar dos truques de magia para criar a ilusão de que se está a dar médico de família a todos. A revisão do regime de comparticipação vai tornar os medicamentos mais caros. As mudanças decididas em certas áreas de excelência – Maternidade Alfredo da Costa, Centro de Genética, IDT – traduzem-se no seu desmantelamento. A promiscuidade entre interesses públicos e privados, que tanto tem prejudicado o SNS, vai aprofundar-se.
TL: Espero que dê origem à modernização e à racionalização do modelo de Saúde em Portugal; que introduza concorrência, eficiência e competitividade no sistema; que favoreça a existência de um Estado Garantia no domínio da Saúde e coloque um travão nos desperdícios do actual Estado Quadrivalente (proprietário/accionista, prestador, financiador e regulador). Não consigo perceber porque se continua a defender um SNS que é um sorvedouro de dinheiro público, quando se pode ter um SNS que, em articulação com os privados, no âmbito do Sistema de Saúde Português, pode prestar serviços de melhor qualidade e com maior eficiência. No âmbito do SIGIC, por exemplo, uma cirurgia custa em média menos 30% quando é realizada num hospital privado.
5. Está hoje o SNS melhor do que há dez anos?
JS: Apesar dos maus tratos a que tem sido sujeito, o SNS é uma história de sucesso, dispondo hoje de uma excelente e articulada rede de serviços e dos mais modernos equipamentos e tecnologias. O SNS avançou na última década, tal como na anterior: na acessibilidade, proximidade, qualidade, diferenciação e excelência. Mas, também, na humanização e no respeito pelos direitos dos doentes. O SNS melhorou e podia ter melhorado ainda mais se as políticas prosseguidas tivessem eliminado alguns dos seus maiores "pecados": a promiscuidade entre público e privado, a partidarização dos cargos dirigentes, o desrespeito pelas carreiras e a desregulação das relações de trabalho provocada pela empresarialização dos hospitais.
TL: Genericamente, está melhor no domínio da prestação, também com o contributo dos hospitais privados, no âmbito do SIGIC, por exemplo. Contudo, apesar da evolução registada, o seu lugar no ranking europeu, de acordo com uma entidade internacional e independente, a Health Consumer Powerhouse, tem vindo a descer. Está claramente pior no domínio da gestão dos recursos. A transformação dos hospitais SA em hospitais EPE foi um claro retrocesso.
1 João Semedo, deputado do BE
2 Teófilo Leite, presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada
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