Bom dia Portugal. Hoje acordas sem Governo, sem dinheiro e sem rumo.
Mas acordas, também, sem ilusões. Sem adornos nem água tépida. Bom dia Portugal, restam-te apenas duas coisas: as contas para pagar e o futuro que escolheres.
Os portugueses andam a ser enganados há anos. Foram encandeados nas eleições de 2009 pelas néons de uma falsa prosperidade. Foram ludibriados em 2010 por um negacionismo catatónico que adiou, e nisso piorou, a austeridade que tínhamos de enfrentar. Foram divididos entre optimistas e catastrofistas até há duas semanas, quando lhes garantiam que nada mais era necessário fazer - quando o que não havia era mais nada a fazer. Apenas ganhar tempo para ser ajudado de uma outra forma.
José Sócrates foi um primeiro-ministro gigante entre 2005 e 2007. Saiu ontem, em 2011, pequenino como um anão temente pela porta do hemiciclo da Assembleia da República. Este Governo não foi um Governo, foi uma perda de tempo. Nunca devia ter sido empossado sem uma coligação, forçada que fosse. Agora desistiu. Não há culpas a distribuir, o julgamento está marcado para o local certo: para as urnas. O povo vota sempre bem - desde que não lhe mintam. E agora é impossível mentir.
O Governo não caiu, o Governo ruiu. A imagem, ontem, do ministro das Finanças só, no Parlamento, desconsiderado pela própria bancada do partido pelo qual deu o corpo nos últimos anos, prova a devastação do poder. Quando cai, é inclemente. Sobre os escombros pisará agora o Presidente da República, que determinará a solução para o "intervalo" dos próximos dois meses.
Portugal andou a contar cada dia do calendário como uma vitória contra uma doença fatal. Foi assim ao longo de meses, sempre com as probabilidades contra, sempre tentando ganhar tempo até que a União Europeia decidisse e implementasse o novo modelo de ajuda externa, que passará mais por ajudas de liquidez do que de solvência - e que deverá estar pronto no Verão. A 11 de Março demos um passo para a frente na Europa. A 11 de Março demos cem passos para trás em Portugal. Precipitámos a crise política que desagua neste desmancho de Governo.
Com esta crise política, os mercados financeiros serão tão pacientes com os portugueses como Herodes foi com as crianças. Os juros vão disparar. Os "ratings" vão cair. Não chegamos ao Verão: vamos ter de pedir ajuda já. O Estado não suporta estes juros. As empresas públicas têm dinheiro apenas para os próximos meses ou, mesmo, semanas. Os bancos estão pressionados. Pedindo ajuda já, seremos o último da desgraçada fila iniciada pela Grécia e continuada pela Irlanda.
O próximo primeiro-ministro governará com o FMI. E fará um pacto de austeridade atrás do outro. Com o PEC V teremos saudades do PEC IV. Sim, o próximo Governo não fará diferente deste porque não pode, estará pedinte e intoxicado pela austeridade. Por isso, precisa de ser um Governo de maioria. E com acordo entre os dois grandes partidos. Por isso, a campanha eleitoral não pode ser o que promete: ataques de carácter e de devastação pessoal.
Com o FMI, Portugal pagará o dinheiro caro, o sistema financeiro passará por um choque destruidor de saída de capitais, a nossa reputação ficará ao nível dos "ratings": lixo. São anos de reconstrução pela frente. É por isso que é incompreensível assistir à detonação política das duas últimas semanas. Hoje, os políticos na Cimeira europeia podem até ser compreensivos. Mas os mercados não têm alma nem calma.
Portugal caminha para o sexto Governo dos últimos dez anos. E para a terceira recessão no mesmo período. Temos muitas quedas de governos. Mas não temos queda para governos. Bom dia, Portugal. Bom dia, é hoje que tudo começa.
P.S. - O País não sabe mas devia erguer uma estátua ao soldado desconhecido. Nos últimos meses, Luís Amado,Teixeira dos Santos, Carlos Costa, Vítor Constâncio, Durão Barroso e alguns outros fizeram tudo para evitar esta desgraça. Eles não falharam. O Governo é que lhes falhou.
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