(per)Seguidores

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

UE: 1 análise + 1 comentário + 1 reparo

Gritar Viva a Europa parece ser um brado melancólico. A União Europeia está frouxa, em particular no seu núcleo duro, a zona do euro. A liderança de sentinela está aquém da carga de responsabilidades e desafios. Obviamente nem falo de bufões como o italiano Silvio Berlusconi, mas da dobradinha Angela Merkel/Nicolas Sarkozy. O motor propulsor do projecto europeu são os alemães e os franceses, mas a máquina está emperrada no meio da constante tarefa de apagar incêndios económicos. Alguns desafios e obstáculos no projecto europeu foram subestimados ou deliberadamente ignorados, a destacar a criação de uma união monetária (o euro), sem uma união fiscal.
Obviamente, existe um preço para uma União Europeia mais rigorosa, mais ampla e mais eficiente. Exige menos soberania nacional e aumenta o ónus dos sócios ricos, em particular a Alemanha, para segurar o arrastar, a fragilidade e as indulgências dos sócios mais pobres ou vulneráveis da periferia, que vão de paisecos como a Grécia, Portugal e a Irlanda, a outros, como a Espanha e a Itália, que, se quebrarem, podem levar o edifício europeu ao desabamento. E a periferia precisa de se comportar muito bem.
Relutantes em pagar a conta, os alemães sabem também como é vital preservar o projecto europeu. O país que renasceu da ignomínia nazista na II Guerra Mundial está consciente de que pode ser forte e influente, desde que esteja dentro do santuário europeu. A potência alemã deve proteger e não ameaçar. Porém,  hoje a crise incomoda a sua população, menos inclinada a sacrificar-se pelos primos europeus da periferia. Por outro lado, na periferia, existe ressentimento contra a Alemanha.
Isto exige um jogo político ardiloso da primeira-ministra Angela Merkel. Ela tem compromissos domésticos, mas também continentais. E secundada pelo francês Sarkozy (com o qual muitas vezes não está afinada),  Merkel precisa liderar o coro de que os líderes europeus farão tudo o que for necessário para assegurar a estabilidade do euro e, por extensão, do projecto continental. Nada disso é fácil pela razão da relutância dos alemães em pagar contas e do quadro de inevitável austeridade em vários países europeus que pode trazer instabilidade social e estagnação económica por um bom tempo.
Existem graves problemas económicos na Europa, mas, no fim de contas, as soluções são políticas. Se o caminho inevitável para salvar o euro for uma união fiscal mais rígida, um grande desafio será vender o projecto em termos políticos. Na expressão da empresa de consultoria e análise de risco Stratfor,  uma união mais sólida vai significar decisões sobre taxação e apropriação, ou seja, quem paga, quanto e como, para quem. E aqui estamos a falar de actos políticos, intromissão na soberania nacional e um aprofundamento de iniciativas colectivas. É difícil imaginar uma centralização fiscal sem uma efectiva autoridade política (e militar),  igualmente centralizada. E realmente eu não sei dizer de cabeça quem é o Presidente-fantasma da União Europeia (na informação inútil, é o belga Herman van Rompuy).
Infelizmente, parece que a Europa não está preparada hoje para passos tão largos, embora, ironicamente, a urgência da crise talvez os apressem. Claro que o resultado pode ser tombos maiores ou passos insuficientes diante dos buracos imensos no meio do caminho. Uma crise não manejável em países mais importantes da zona do euro, Espanha ou Itália, pode ser maior do que as promessas ou mesmo do reforço  da rede de protecção para ajudar os sócios do clube europeu em situação dramática. No cenário de défice e divida na Europa, existe um superávit de cépticos se o euro e o projecto europeu vão aguentar o desafio. Para os cépticos, a execução ficará a cargo dos alemães, com a paciência exaurida para arcar com tantos pacotes de resgate.
O colapso europeu será uma tragédia e não apenas para os europeus. O mundo precisa de uma Europa forte e integrada, que irradie os seus valores e lições históricas. Em países emergentes existem surtos triunfalistas de que a era dos EUA e da Europa já era. É verdade que a União Europeia em muitas situações colide com os primos dos Estados Unidos da América, mas as suas convergências são muito maiores do que as divergências. Ainda bem. Está aí um bloco que propaga o melhor modelo para a humanidade no que respeita à democracia, ao império da lei, à obediência aos contratos e a um estado, que embora excessivo e oneroso, em especial na Europa, está ao serviço do cidadão.
A Europa, em particular, com os esforços de integração no pós-guerra, é um exemplo de repúdio pelos conflitos militares e acomodação de diferenças religiosas, étnicas, culturais e ideológicas. Claro que é um projecto imperfeito e que de certa forma peca pela ambição. Em contrapartida, a ambição é uma virtude em muitas situações.  É um conforto escutar a voz da Europa quando países da Ásia, África e América Latina descambam na violação dos Direitos Humanos. Muita gente rebate que os europeus com o seu passado colonial e barbaridades dentro de casa não têm moral para pontificar e se intrometer. Pelo contrário. A velha Europa errou e aprendeu. Tem muito para dizer e vamos esperar que o seu projecto de união sobreviva e se consolide.
Caio Blinder – “veja” – Nova York
Comentário de Abílio Santos
Enquanto português e europeu, sinto necessidade de temperar a minha análise da realidade com uma perspectiva de “Novo Mundo”.
O projecto europeu não existe, nunca existiu e não vai existir(?). É muito mais um projecto de neocolonização institucional do que um projecto económico, social ou político. Como sabe, na sua génese está a necessidade de regular o mercado (vital para a reconstrução pós-guerra) do carvão e do aço em cinco países da Europa Central e progrediu para a regulação económica geral desse espaço. O problema é que essas nações renascidas da guerra não sabiam nem pretendiam operar num regime de mercado livre, aberto e concorrencial e necessitavam de um mercado proteccionista e ampliado. É assim que se processa a expansão até os actuais 27.
A actual crise económica foi sendo anunciada ao longo dos últimos anos através das políticas europeias (eufemisticamente apelidadas de integração ou de solidariedade), que mais não fizeram que definir as melhores condições de operação económica para os mesmos 5 países (com algumas excepções pontuais). Em troca de transferências de capital, aniquilaram (informar-se sobre PAC-Política Agrícola Comum e outras políticas industriais e comerciais) os sistemas produtivos de países periféricos ou com menor representação política. Portugal, por exemplo (como muitos outros países europeus) é pago para não produzir agro-alimentares ou para destruir a sua frota pesqueira, ou focar o seu desenvolvimento industrial – tudo sempre visando diminuir a concorrência interna. Estas nações usufruíram de transferências financeiras significativas ao longo dos anos, mas destruíram a capacidade produtiva – gerando menos riqueza que o seu potencial e sofrem de maior necessidade de investimento com “natural” recurso a financiamento externo para financiar a sua economia. Hélas! Entende-se melhor a opção do Reino Unido, Noruega ou Suíça… O saldo económico da entrada na UE para países como Portugal, Espanha, Irlanda, Grécia, “Ex-Leste Europeu”, até mesmo a Itália, é francamente negativo.
A Europa continua a ser um excelente lugar para se viver.
Os europeus da minha geração (40) são muito diferentes dos europeus arrogantes que vejo mencionados nos comentários abaixo.
Quem conhece a Europa, sabe que é uma sociedade fervilhante, solidária e culta – Este é o maior património da Europa.
A Europa ainda é um lugar onde se podem cultivar valores e ser uma referência civilizacional, mas apenas se se livrar da UE tal como existe hoje: Ou avança para um federalismo pleno ou liberta os estados membros do jugo neocolonial que se instalou.
Abílio Santos
A análise de Caio Blinder, no blogue da “veja”, retirando a classificação de paisecos a alguns países europeus com história e cultura que chegue para dar e vender, é correcta, mas com as achegas do português, Abílio Santos, nos comentários, levanta quase todos os problemas e “soluções” para o processo de consolidação da União Europeia, mais como uma Cultura, do que uma Sociedade Anónima. Mas…
Quer o artigo, quer o comentário, omitem nas soluções, com que concordo, a legitimidade democrática dos líderes europeus, que tem que advir de eleições, com os votos das populações dos 27 países, com Partidos (de todos os países e aliados por famílias ideológicas), Programas (dos respectivos Partidos/Famílias) e Candidatos (de todos os países).
Se a democracia não for o aval para um Governo (Federal) Europeu, ficará tudo na mesma, com os “donos da bola” a mandarem nos jogadores e nos árbitros e com os resultados viciados, que é o que está a acontecer com a Comissão Europeia e tantos outros órgãos de “tecnocratas”, designados.
Deitemos todos os "muros" abaixo, outra vez! 

Sem comentários:

Enviar um comentário