(per)Seguidores

sábado, 28 de junho de 2014

A “Fada Confiança” não existe e austeridade trava crescimento

O Fundo Monetário Internacional defende que Portugal, bem como a Irlanda teriam saído a ganhar se tivessem renegociado a dívida dos seus países. Segundo o que refere o documento "The Fund's Lenging Framework and Sovereign Debt", a excepção criada para a Grécia (e posteriormente a Portugal e Irlanda), e que permitiu saltar a renegociação de dívida, foi demasiado rígida por "implicar uma reestruturação de dívida definitiva". E propõem que seja eliminada para dar lugar a uma nova regra que diga que deve haver reestruturação sempre que existirem dúvidas relativamente à sustentabilidade da dívida. 
Os técnicos da instituição defendem que existem vantagens em reescalonar as dívidas quando existem dúvidas de sustentabilidade.  "Comparado com um resgate simples, um reescalonamento pode expandir o financiamento de curto prazo para um país sob pressão e permitir um ritmo mais gradual de consolidação orçamental", sugere o documento.
FMI e Lagarde, insistem no seu melhor (estudos) e no seu pior (práticas)…
Há uma série de estudos, entre eles um formulado pelo economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard, que mostrou que a austeridade fiscal provoca exatamente o que os manuais de economia dizem: quanto mais severa a austeridade, maior o travão para o crescimento, mas que não teve consequências práticas, nem arrepiar caminho… Grave, é que este erro teve enormes custos para muitas pessoas, especialmente para as mais vulneráveis, enquanto fez crescer a desigualdade a favor dos mais favorecidos, mesmo e sobretudo nos países em crise, o que leva o ex-economista do FMI a perguntar: Por que e para quem existe o FMI?
A resposta todos conhecemos e sabemos quem paga!
Para ex-economista do Fundo, pedido de desculpas de Lagarde ao primeiro-ministro britânico foi um erro.
Ashoka Mody
“É preciso eu ajoelhar-me?”, perguntou a diretora-executiva do FMI, Christine Lagarde, numa resposta a uma pergunta feita pelo jornalista Andrew Marr, da BBC. Lagarde estava a desculpar-se pelos erros do FMI nas suas previsões de desempenho económico recente do Reino Unido e, mais seriamente, pelas suas críticas anteriores ao programa de austeridade fiscal do governo do primeiro-ministro David Cameron. Agora que essas críticas se transformaram em apoio à austeridade britânica, Lagarde afirmou que o programa de austeridade, ao gerar mais confiança no futuro da economia do Reino Unido, foi um estímulo à recuperação recente.
O pedido de desculpas de Lagarde é um facto sem precedentes, corajoso e equivocado. Ao pronunciá-lo, o FMI comprometeu-se com um princípio económico que goza de um enorme respaldo académico: de que a “Fada Confiança” não existe. E, cedendo à pressão do Reino Unido, o Fundo prejudicou o seu único verdadeiro ativo – a sua independência.
O FMI esquivou-se da responsabilidade por erros de previsão muito mais graves, incluindo a sua incapacidade de antecipar todas as grandes crises da última geração, desde a do México em 1994-95, ao quase colapso do sistema financeiro global em 2008. De facto, durante os 6 a 12 meses que precederam cada crise, o FMI não tinha anunciado nenhuma mudança significativa.
Há quem diga que o Fundo aconselha países em privado, para não desencadear com as advertências públicas a mesma crise que procuram evitar. No entanto, o veterano historiador residente do FMI, James Boughton, encontrou pouca evidência a favor desta tese nos documentos internos do FMI (com possível exceção da Tailândia, em 1997). E o parecer do gabinete de avaliação Interna do FMI ao analisar por que o Fundo não advertiu o surgimento da crise das hipotecas de risco nos Estados Unidos é diretamente mais crítico.
No seu caráter de guardião designado a velar pela estabilidade financeira mundial, a incapacidade do FMI em advertir e antecipar essas crises implica num erro muito mais grave do que a sua postura em relação ao programa de austeridade britânico, um erro do qual derivam custos enormes para muitas pessoas, especialmente para as mais vulneráveis. Por esses erros, o FMI jamais pediu desculpas, menos ainda com a humildade da recente declaração de Lagarde.
O FMI faz bem em refletir sobre os seus erros. No seu discurso pronunciado em setembro de 2003, em Kuala Lumpur, o então diretor-geral do Fundo Monetário Internacional, Horst Köhler, admitiu que as aplicações temporárias sobre o controlo de capitais podem ajudar um país a mitigar os efeitos do fluxo de capital volátil do resto do mundo. Aparentemente reconheceu que o Fundo estava errado ao criticar a Malásia pela imposição de tais controlos no pior momento da crise asiática. Entre os países afetados por essa crise, a Malásia optou por não pedir a ajuda do Fundo e saiu da crise pelo menos tão bem como os outros que o fizeram.
A imposição de controlos sobre a saída de capitais adotados pela Malásia foi uma decisão política controversa. O FMI opôs-se, mas economistas proeminentes – entre eles Paul Krugman – aprovaram a medida. No seu discurso, Köhler declarou que o Fundo tinha tomado nota dessa experiência e irá incorporá-la nas suas recomendações futuras.
No entanto, no contexto da crise atual, a evidência académica esmagadoramente mostrou que a austeridade fiscal provoca exatamente o que os manuais de economia dizem: quanto mais severa a austeridade, maior o travão para o crescimento. Há uma série de estudos que confirmam essa proposta, entre eles um formulado pelo economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard, que esses trabalhos resistiram à crítica considerável e deixaram pouco espaço para ambiguidade.
As duas vozes públicas que defendem as propriedades mágicas de austeridade são organismos oficiais, com base na Europa: a OCDE e a Comissão Europeia. A postura da Comissão, em particular, obedece a um compromisso institucional de um ponto de vista em matéria fiscal que não deixa espaço para provas.
Entre as economias do G-7, a Itália é a única que foi pior que o Reino Unido desde o início da Grande Recessão. De facto, o Reino Unido levou todos estes anos para recuperar o PIB de 2008, ficando ainda atrás até da França.
O mais marcante do caso é que no Reino Unido, a crise foi relativamente suave. A queda dos preços no mercado imobiliário foi modesta em relação à Irlanda e Espanha, e, como não havia nenhum boom de construção, tampouco houve uma queda abrupta. Embora no início o governo britânico tenha ignorado os sinais de alerta do banco Northern Rock, que teve de resgatar após uma corrida aos depósitos em setembro de 2007, logo atuou rapidamente para proteger os bancos locais com problemas, ao contrário dos seus homólogos na zona euro. Por estas razões, o Reino Unido deveria ter tido uma recuperação rápida, mas travaram as desnecessárias medidas de austeridade do governo de Cameron.
O pedido de desculpas do FMI foi um erro por 2 motivos. O primeiro é que nunca é uma boa ideia depreciar as evidências académicas, mas especialmente no caso de uma instituição, que como o FMI, depende tão fortemente da credibilidade na sua capacidade técnica e na sua neutralidade. Se as ideias económicas do Fundo são confusas, com que argumentos defenderá as políticas que recomenda?
Além disso, escolher bajular a política errónea do Reino Unido, o Fundo confirmou a sua preferência pelos seus principais acionistas. Durante muitos anos acreditou-se que o FMI é apenas um instrumento da política externa dos Estados Unidos e também é notória a sua tolerância na avaliação anual das políticas económicas do Reino Unido.
Mas tendo em conta este último passo, o FMI prejudicou – talvez fatalmente – a sua capacidade de dizer "a verdade a quem detém o poder". Talvez, então seja inevitável fazer uma pergunta básica: Por que e para quem existe o FMI?
Ashoka Mody, ex-chefe de Missão do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a Alemanha e Irlanda, atualmente é professor visitante de Economia e Política Internacional na Woodrow Wilson School of Public and International Affairs, da Universidade de Princeton.

Sem comentários:

Enviar um comentário