Os programas do FMI na Irlanda e em Portugal terminaram. O nosso Estado já se financia no exterior e a economia começa a crescer. Em Bruxelas, a atenção está em Juncker, nomes e cargos, não na sobrevivência do projeto europeu ou na revisão dos tratados. Os comunicados do BCE são de novo sobre inflação, deflação, expansão e recessão, ficando para o passado os receios de que alguns países abandonem o euro. Parece que a crise do euro já acabou. Ou não?
Ricardo Reis
Podemos olhar para o desempenho da zona euro como um todo. O comité do CEPR que estabelece as datas oficiais das recessões na Europa reuniu-se há dias e concluiu: a zona euro ainda está em recessão. O crescimento é mínimo e a ligeira inflexão na produção industrial em 2013-14 pode bem ser erro estatístico. No mercado de trabalho, o desemprego baixou uns míseros 0,3% nos últimos 12 meses. Mas se virmos o número de europeus que respondem em inquéritos que gostavam de trabalhar mais horas (incluindo os que têm emprego), o número aumentou. As horas de trabalho, por sua vez, estagnaram há anos (exceto para os Funcionários Públicos, que aumentaram 5 horas/semana).
Outra forma de encarar o potencial fim da eurocrise é perguntar se as instituições europeias de resposta a crises estão hoje mais preparadas do que em 2010. Temos um Mecanismo Europeu de Estabilidade que pode atuar em caso de crise de financiamento dos Estados. Mas qualquer atuação significativa do mecanismo continua a depender do acordo dos líderes dos principais países europeus, que com as suas hesitações e desconfianças prometem esticar a corda tanto ou mais do que esticaram em 2010 e 2011. Temos um BCE que usa um leque mais variado de instrumentos, mas a legalidade de poder comprar obrigações dos Estados no mercado secundário está a ser apreciada nos tribunais europeus. Por fim, a essencial união bancária, os testes de stresse aos bancos que a apoiam e o apoio fiscal ao fundo de garantia dos depósitos são incógnitas que vão demorar no mínimo 6 meses a resolver.
Uma terceira abordagem olha os mercados financeiros. A bolsa recuperou e o mais surpreendente tem sido a enorme quebra nas taxas de juro a que Espanha ou Portugal conseguem pedir emprestado. Mas Portugal continua com uma dívida pública acima de 130% do PIB e um Tribunal Constitucional que torna impossível ter um superavit robusto nas contas públicas. A dívida continua a ter de ser paga e se houver algum percalço daqueles em que a política é fértil, como uma quebra na coligação ou uma maioria de deputados a favor do não pagamento, quão depressa é que os juros subiriam novamente para perto dos 2 dígitos?
É possível e compreensível estar otimista com o futuro, mas é difícil estar confiante com os dados atuais. Alguns dos maiores erros de política económica ocorreram precisamente nestas alturas: quando se achava que o pior tinha passado e a crise acabara.
Se é difícil estar confiante com os dados atuais, e é, já que a dívida pública portuguesa foi subindo até aos 130% do PIB, em resultado da política do Governo e das medidas da troika (e não do Tribunal Constitucional que não governa), até se pode pensar que a dívida tem de ser paga, mas era bom saber como se vai pagar, o que torna impossível e incompreensível estarmos otimistas com o nosso futuro…
Entre outras soluções já avançadas por gente mais realista e como já tenho sugerido aqui:
Portugueses foram “cobaias de uma experiência” e o Fundo Monetário Internacional deve ser responsabilizado, afirma Eduardo Paz Ferreira.
Portugal deve processar o FMI por impor autoridade excessiva ao país, defende o professor catedrático Eduardo Paz Ferreira. O advogado lamenta a inacção do Governo, mesmo depois de a directora-geral do FMI, Christine Lagarde, ter reconhecido o erro.
Eduardo Paz Ferreira vai ainda mais longe e defende que, no caso de Christine Lagarde, “há uma enorme hipocrisia em admitir que o Fundo Monetário Internacional errou”. Considera que, na prática, os portugueses foram “cobaias de uma experiência” que a directora-geral do FMI “não conhecia”, porque se trata de uma economia sem moeda própria, e Lagarde “nem sequer esboçou um pedido de desculpas ou a intenção de alterar ou recompor o que andaram a fazer.”
Eduardo Paz Ferreira remata: “quem dá conselhos é responsável por estes conselhos, aqui não só foram dados conselhos como foram impostos, portanto, não há nenhuma razão para que este princípio geral do Direito não seja aplicável também às organizações internacionais.”
Também na apresentação do livro ‘Os 10 Erros da Troika em Portugal’, Bagão Félix criticou as regras rígidas do Tratado Orçamental. O antigo ministro das Finanças e da Segurança Social lamenta que o tratado seja feito “a régua e esquadro”, o que faz com que seja “impossível de executar”.
O economista admite que deve existir responsabilidade, “não faz sentido que os erros de Portugal e da Grécia sejam pagos pelos países que não fazem erros”, mas nestas contas deve entrar também a solidariedade, sublinha.
Sem comentários:
Enviar um comentário