O destempero que corre à solta no Grupo Espírito Santo (GES) conseguiu o impossível: uma passadeira de elogios a Passos Coelho por ter recusado o que só podia mesmo recusar - salvar o GES através de um empréstimo bilionário da Caixa Geral de Depósitos e do BCP. Realmente, o espírito ufano que se lembrou de ir bater à porta do primeiro-ministro para salvar o grupo - e não o banco - criou ali uma maravilhosa oportunidade política para que Passos se engalanasse com as mais perfumadas flores liberais.
André Macedo
É um detalhe, mas deve ser sublinhado: bem ou mal, hoje é moeda corrente os bancos recorrerem a dinheiro do Estado. Há até um fundo com dinheiro público para esse efeito. Por isso, se o BES o tivesse feito (e não fez - optou por um aumento de capital privado) estaria sintonizado com o ar do tempo e não podia ser motivo de escândalo. O que seria um despropósito era o Governo dar instruções à Caixa e ao BCP para que ajudassem as empresas dos Espírito Santo a sair da aflição.
Podemos especular se outros governos noutros tempos teriam feito o mesmo, e aí devemos reconhecer que a longa mão pública já não consegue ser o fundo perdido que foi - e ainda bem. A Caixa já não pode entrar nesses filmes em nome de um etéreo interesse nacional; e as poucas multinacionais com sede em Lisboa já não são o recreio onde empresários e gestores se juntam aos políticos de ocasião para fabricar negócios e evitar falências provocadas pela má gestão, mas não só.
Se há coisa boa que a recessão nos trouxe é essa: a ideia dos campeões nacionais levantados sob ambição desmesurada dos Governos é chão que já deu uvas. Passos fez, portanto, o óbvio. Disse não a Ricardo Salgado. Mas o óbvio tem consequências. A desordem que se instalará no GES - reestruturações, vendas e falências de dezenas ou centenas de empresas direta ou indiretamente ligadas à família - terá efeitos positivos no país (talvez uma concorrência mais saudável), mas alguns serão muito dolorosos.
Embora menos excitante, este ponto é mais relevante do que o confronto Salgado-Ricciardi. As consequências desta quermesse dos Espírito Santo - ou garage sale, como lhe chamaria o Financial Times - é coisa que ainda iremos ver; mas é neste castelo a desfazer-se que se encontra uma das chaves da transformação da economia nacional.
Passos Coelho esteve, para já, à altura dos acontecimentos. Assumiu a intenção de não intervir no GES com uma franqueza que para muitos terá soado a derrota: o Governo já não é dono do país. Mas o capítulo seguinte também interessa: como o espaço do poder económico-financeiro nunca fica vago e com os Espírito Santo em queda, quem ambiciona ficar com o lugar?
Tendo em conta os antecedentes (conhecidos) esperemos melhores energias, com magia b(r)anca,,,
Antes de prestar depoimento no Departamento Central de Investigação e Acção (DCIAP), o presidente do BES, Ricardo Salgado, liquidou a última de 3 rectificações à sua declaração de IRS, na qual se esqueceu de declarar 8,5 milhões de euros de rendimentos obtidos em Angola.
De recordar que a 15 de Dezembro de 2006, numa entrevista ao semanário Expresso, Ricardo Salgado alertou para a importância de respeitar os compromissos com o Fisco: "As pessoas têm de aprender que têm de pagar impostos porque se fogem aos impostos estão a prejudicar a sociedade como um todo".
Em causa estão indícios de inside trading, um estrangeirismo que designa a negociação de valores mobiliários com conhecimento de informações relevantes que ainda não são do domínio público.
Altos quadros do Grupo Espírito Santo são citados na Visão e na Sábado, revista que noticia que o presidente do Grupo, Ricardo Salgado, foi alvo de escutas no âmbito no âmbito da investigação conduzida pelo Ministério Público à actuação da Akoya. Também José Maria Ricciardi, presidente do BES Investimento, é citado na “Sábado”.
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