Por muito que queiram tentar enganar o “Zé Povinho”, seguramente que não conseguirão enganar os partidos da oposição, o Presidente da República e o Tribunal Constitucional, porque, semântica à parte, o corte de despesa nas obrigações de um Estado de Direito (deixemos para lá o “Estado Social”) significa a Revisão da Constituição, fora das normas constitucionais para a alteração da Constituição vigente e por isso um “golpe baixo” para ser entendido e aceite por “gente alta”…
De tanto se bater, nos media, a cassete dos 4.000 milhões, como mandam as “regras” do marketing, até já se aceita que não seja de uma só vez, desde ministros até ao PS, deixando de lado a constitucionalidade de tal medida e aceitando-se mesmo que se vá desenhando e condicionando os Orçamentos de Estado de anos posteriores, em que, eventualmente os atuais decisores não estejam no governo… Surrealismo puro!
Há ainda a possibilidade de, dentro da mesma estratégia manipulatória, descer o montante gizado e tentarem convencer-nos de que ficamos a ganhar, pela sensibilidade social do governo coligado…
De baixo calibre intelectual é quererem convencer toda a gente, de que um corte é simplesmente um corte, mesmo que lhes chamem de “poupança” (mais semântica), sem qualquer conotação político-ideológica, como se quem o faz não fossem POLÍTICOS e não se soubesse que se repercute em mera oferta dos serviços sociais aos interesses privados…
A decisão do Tribunal Constitucional sobre as inconstitucionalidades do OE2013, que já tarda, se for declarada, naturalmente que arrefecerá o ímpeto golpista de Gaspar/Coelho/Portas e obrigá-los-á a lembrar à troika, que temos uma Constituição, que nós e eles tem que respeitar, se nos tem respeito…
Os cortes de 4.000 milhões que o Governo promete há muito se sabiam necessários. Do que não havia necessidade era de os fazer em cerca de 1 mês, sem negociar com ninguém e sem qualquer contrapartida para a brutalidade que eles vão significar para muita gente.
Henrique Monteiro
Sem os cortes, só ficamos com 1 de 2 alternativas imediatas: ou impostos ainda mais elevados, o que, para além do esbulho, nem eficácia tem; ou o défice sem diminuir, não cumprindo, desse modo, o acordado com a troika. (Eu sei que com crescimento da economia o PIB aumenta e diminui o défice, mas isso é um conto de fadas que algumas pessoas gostam de contar a um país que nos anos com mais dinheiro não cresceu nunca nada que se visse).
Num reino onde não imperasse a estupidez política, sendo esta necessidade de cortes reconhecida, ter-se-ia começado por aí - há ano e meio! E não se teria chegado, necessariamente, a 80% de cortes em pensões, prestações sociais e salários. Ao pretender-se o corte em tempo recorde, como é o caso, parece não haver outra hipótese - afinal 80% dos encargos estão em salários e prestações sociais. Mas esta é outra forma de confessar a total impotência (ou quem sabe se cumplicidade) em matérias como o escândalo das PPP ou mesmo crimes como o BPN. E isto é imoral e revoltante.
Como é imoral e revoltante não se ter programado qualquer contrapartida para os cortes a efectuar. Aliás, pior do que isso é nem se ter tentado dialogar a sério com o PS e a UGT, permitindo que estes se coloquem de fora de uma discussão na qual deviam participar. Por dois motivos: por um lado, porque estão dentro do arco do poder e dos acordos de concertação; por outro, porque representam essencialmente os maiores espoliados com a atual crise: os pensionistas, funcionários públicos e trabalhadores por conta de outrem. Esta semana, a revista The Economist, mostra como nos países nórdicos diversos cortes foram feitos de modo a que os trabalhadores tivessem compensações (como é o caso, na Dinamarca, da chamada flexisegurança).
O modo como o Governo se prepara para atuar não é condenável apenas por alguém ter "estados de alma", expressão que é atribuída ao ministro das Finanças. É condenável porque longe do objectivo mais elevado da política - mobilizar uma comunidade para as tarefas necessárias - apenas pretende impor factos consumados. Há quem goste do estilo, mas ainda que ele formalmente esteja fundado numa maioria parlamentar acéfala, trai a essência democrática da consensualização, que em tempos de crise grave, como a que passamos, é essencial à coesão de um país.
Estupidez e imoralidade são duas palavras fortes, mas infelizmente a direção do Governo obriga-nos a usá-las para caracterizar a sua ação.
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