Uma UE sem visão de futuro, fechada sobre si mesma, dividida, surda e cega ao mundo em que vive: é esta a imagem da Europa que se tornou visível depois do acordo orçamental "indigente" negociado pelos 27 em 8 de fevereiro.
O projeto de orçamento europeu que acaba de ser aprovado é, ousemos dizê-lo, indigente. O texto confirma a ausência de ambição e de visão económica ao nível dos 27, num momento em que estamos em competição frontal com países-continentes como os Estados Unidos, a China e a Índia.
Estes conduzem estratégias que têm em vista a excelência em alguns setores e a promoção de campeões, apoiando-se na ampla base dos respetivos mercados internos, para conquistar o mundo. O projeto de orçamento europeu faz precisamente o contrário: os projetos de futuro que poderiam servir de ponto de apoio para uma estratégia industrial europeia são trucidados. Representam apenas uma fração das ajudas diretas à agricultura e pouco mais de 1/10 do orçamento total.
Em contrapartida, as políticas do passado são recuperadas quase ponto por ponto, sem que a sua pertinência seja posta em causa. Assim, vamos continuar a dedicar mais de 1/3 do envelope financeiro dos 7 próximos anos às ajudas regionais de que beneficiam os países da Europa de Leste e do Sul.
Mas será que a Grécia tem mesmo necessidade de mais dinheiro para construir estradas e rotundas? As tensões no interior da zona euro mostraram o fracasso dessas políticas de subvenções, enquanto elas não forem condicionadas por progressos verificáveis e verificados em matéria de governação, de transparência e de concorrência.
Sabotar o interesse geral europeu
A crise, a transformação acelerada do planeta económico e a extraordinária evolução das relações de força mundiais deveriam ter inspirado a Europa a dar um salto em frente: união face a uma América que se reergue, união face a uma China conquistadora, união num mundo onde o capital e os talentos são mais móveis.
Foram a crise e os terríveis desafios dos anos 1930 que forjaram o Estado federal norte-americano, cujo orçamento saltou então de 3,4% do PIB, em 1930, para 10%, no fim da década. A história registará que, na crise, a Europa fez o caminho inverso, uma vez que vai reduzir o seu orçamento para 1% do PIB. Desafios enormes, ambição zero...
É preciso retirar lições políticas deste desperdício. O debate orçamental foi feito refém por um país, o Reino Unido, que não tem a certeza se, amanhã, ainda fará parte da União. David Cameron apresentou-se para sabotar o interesse geral europeu e isso foi feito. Fica registado. Mas, nesse caso, é melhor ir até às últimas consequências: dado que o clube dos 27 parece votado à impotência, as reflexões estratégicas devem ser feitas ao nível da zona euro.
Para tal, seria preciso ainda consertar as relações com a Alemanha. Porque é esta outra das lições do drama de Bruxelas: o eixo Paris-Berlim já não funciona. Por uma vez, coloquemos a questão: vista de Pequim ou de Washington, a paralisia da Europa será mesmo uma coisa má?
A imprensa europeia diz, unanimemente, que o orçamento adotado pelos 27, a 8 de fevereiro, marca a contração das ambições da Europa e uma mudança radical das relações de força no seio da UE.
Segundo o Dziennik Gazeta Prawna, o resultado da última cimeira da UE prova que houve “uma evolução significativa do equilíbrio do poder” com a França, outrora um dos países mais influentes da União, “numa posição defensiva”. O diário realça que isto é uma nova tendência:
A União dirige-se para uma zona de comércio livre idealizada pelos britânicos e apoiada pelos alemães, em vez de uma “estrutura federal movida pela solidariedade” pretendida por Paris. [...] Surpreendentemente, foi criada uma aliança um tanto quanto exótica, constituída pela França, Itália, Espanha e Polónia, em defesa das transferências financeiras, [resultando num] conflito entre os ricos do Norte da União e os pobres do Sul e de Leste. […] No entanto, não há dúvida de que ao impor cortes a Alemanha revelou a sua força económica. A política de Berlim tornar-se-á ainda mais rigorosa, enquanto as abundantes transferências de Bruxelas poderão não passar de uma boa lembrança, caso o clube franco-espanhol-italiano-polaco não consiga provar a sua competitividade.
Na Alemanha, Die Welt considera que este “compromisso continua muito parecido com o da velha Europa” e critica os que pensam que existe “um direito do homem europeu que garante fluxos de dinheiro provenientes de outros países”. Além disso, este aconselha o Governo alemão a reduzir a sua parceria histórica com a França:
Com esta rara determinação, a Alemanha estabeleceu-se como um peso pesado dos equilíbrios de poderes na Europa, que soube seduzir a maioria e manter-se aberto a todos. De facto, os interesses alemães coincidem mais com os de Londres do que com os de Paris.
Em contrapartida, El País escreve que “A Europa insiste em tratar uma pneumonia como se fosse uma simples constipação [...] e obtém um acordo raquítico”, que “promove a austeridade – e portanto os cortes – para a próxima década”:
Os 5 primeiros anos da crise já passaram, os orçamentos europeus são uma espécie de bússola do projeto europeu. A UE parece distraída; caminha entre o antigo e novo regime sem que o precedente tenha desaparecido totalmente e o atual esteja verdadeiramente implementado. No meio deste marasmo, Berlim (com o apoio de Londres) aumenta o seu poder e constatamos uma retirada para o nacional ou intergovernamental.
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