A sobrevalorização intermitente de sectores económicos inteiros – recorde-se a bolha da Internet de há uma década – indica que os mercados financeiros estão muitas vezes excessivamente focados no longo prazo.
Mark J. Roe
Às vezes, as tendências económicas estão mais interligadas entre si do que aquilo que se vê nas notícias. Por exemplo, regularmente somos confrontados com os problemas financeiros dos governos, como o "precipício orçamental" nos Estados Unidos e a crise da dívida na Europa. E presta-se muita atenção, muitas vezes em artigos de opinião próximos entre si, à visão de que os hiperactivos mercados de acções, em especial nos Estados Unidos e no Reino Unido, obrigam as grandes empresas a focar-se de forma desproporcional nos resultados financeiros de curto prazo à custa de investimentos de longo prazo nas economias dos seus países.
Ambas as situações não estão desconectadas. E examinar essa conexão oferece uma boa oportunidade para avaliar as debilidades e ambiguidades do argumento – esgrimido há muito tempo – sobre a redução dos horizontes temporais das empresas que geram furiosas operações de alto volume nos mercados de valores.
O pensamento convencional indica que, à medida que aumenta a frequência de compra e venda de acções, os operadores induzem os gestores das empresas a planificar considerando horizontes cada vez mais curtos. Acredita-se que, se os investidores institucionais se recusam a manter as acções por mais do que alguns meses, os horizontes temporais dos directores executivos para o planeamento empresarial devem reduzir-se até, aproximadamente, o mesmo marco temporal.
Os responsáveis políticos da Europa e dos Estados Unidos são instados a agir de acordo com este pensamento convencional: Algo deve ser feito para isolar directores executivos, conselhos e gestores dos mercados financeiros da contínua redução dos horizontes temporais dos mercados financeiros. A Kay Review oficial do Reino Unido, em Julho passado, e o Green Paper da União Europeia sobre a gestão corporativa, adoptado pelo Parlamento Europeu no início do ano, diagnosticaram o "curto-prazismo" corporativo como um grave problema e indicaram soluções aos responsáveis políticos. Os comentadores norte-americanos – e, cada vez mais, os juízes do país - querem isolar os directores executivos e os conselhos dos accionistas das empresas que efectuam operações comerciais.
Mas ressaltar as operações de curto prazo nos mercados bolsistas oculta algumas outras fontes poderosas de "curto-prazismo" nos horizontes temporais corporativos, como a incerteza em relação às políticas fiscais de longo prazo de ambos os lados do Atlântico. Mais importante, algum "curto-prazismo" corporativo pode não ser tão intenso como se crê.
Consideremos, em primeiro lugar, a elevada capitalização de mercado da Apple e outras empresas tecnológicas, que demonstra que descrever os mercados financeiros dos Estados Unidos como incorrigivelmente orientados para o curto prazo não é muito correcto. A capacidade de apreciar os ganhos potenciais a longo prazo do Silicon Valley e de empresas como a Apple, Amazon e Facebook sugere que os mercados dos Estados Unidos não se regem simplesmente pelo desempenho financeiro de curto prazo.
Na verdade, a sobrevalorização intermitente de sectores económicos inteiros – recorde-se a bolha da internet de há uma década – indica que os mercados financeiros estão muitas vezes excessivamente focados no longo prazo. Durante a bolha, muitas empresas não tinham a mínima possibilidade de criar dinheiro suficiente no curto prazo para justificar os elevadíssimos valores das suas acções.
Além disso, há ambiguidades nas tendências para os períodos de retenção das acções. Embora a duração média de retenção de acções tenha encurtado, o impacto sobre os gestores seniores não é claro, já que o período de retenção para os investidores institucionais, como a Vanguard e a Fidelity, manteve os seus valores de referências nas duas últimas décadas, de 2 ou 3 anos. As operações rápidas realizadas por computadores reduzem o período médio de retenção. Mas não é tão claro como muitos acreditam que o período de retenção dos accionistas tradicionais tenha encurtado em grande medida – ou mesmo em absoluto. A redução do tempo médio deve-se, em parte, a um conjunto extremo de furiosas negociações.
O "curto-prazismo" excessivo pode vir tanto dos executivos como dos mercados financeiros, em especial dos CEO que, nos Estados Unidos, ocupam o cargo durante uma média de 6 a 7 anos. É absolutamente compreensível – e suportado pela experiência empírica – que os directores executivos queiram que os bons resultados apareçam durante o seu período de gestão, e não quando os seus sucessores ocuparem o cargo. Isolar ainda mais os CEO e os conselhos de administração dos mercados financeiros pode criar uma perversa liberdade que os leve a concentrar-se ainda mais nos resultados de curto prazo.
Em todo o caso, embora a preocupação com o "curto-prazismo" tenha chegado à agenda judicial norte-americana, os juízes dos Estados Unidos (e de qualquer outro sítio) não estão bem posicionados para pesar evidências económicas que estão longe de ser claras quanto às fontes, extensão, e até mesmo à direcção do pensamento "curto-prazista" das grandes empresas. Outras instituições políticas e administrativas estão em melhor situação para determinar se o "curto-prazismo" corporativo é um problema grave, e qual será a melhor solução. Por exemplo, a chamada taxa Tobin sobre as transacções financeiras é proposta frequentemente como solução, mas não é uma solução política que possa ser implementada pelos juízes dedicados ao direito societário.
Finalmente, as empresas que se tornam mais orientadas para o desempenho de curto prazo podem estar a reagir ao seu ambiente real e não ao seu ambiente financeiro. Podem estar a adaptar-se a novas realidades económicas, políticas e tecnológicas, e não a esconder-se do futuro. Os críticos do pensamento de curto prazo, como os autores da Kay Review e do Livro Verde da União Europeia, deveriam considerar que a vida económica reduziu, de facto, os seus prazos.
Isso leva-nos à ligação entre "curto-prazismo" corporativo e a debilidade das finanças públicas. As empresas de ambos os lados do Atlântico poderiam ser prejudicadas pelo precipício orçamental dos Estados Unidos e pela crise da dívida soberana na Europa. Se as políticas reguladoras e governamentais que definem a economia se tornaram instáveis no curto e no longo prazo, as empresas têm de ajustar-se a essa realidade.
Da mesma forma, se a inovação tecnológica pode agora transformar a maioria das indústrias em apenas alguns anos, ou mesmo meses, o investimento de longo prazo faz agora menos sentido do que antes. A elevada relação entre o preço e as receitas da Amazon indica que os investidores não temem financiar o seu futuro no longo prazo. Mas será que o sucesso da Amazon significa que os retalhistas tradicionais são frouxos por não melhorarem as suas lojas, ou construírem outras numa localização melhor?
Se os investidores entendem que a distribuição on-line está a revolucionar o sector do retalho, isolar os directores executivos dos mercados financeiros apenas empurraria mais recursos para um modelo de negócio que se está a deteriorar e a reduzir. Neste sentido (e só neste sentido) o pensamento de curto prazo que induz a mudança e a transformação da tecnologia obsoleta – neste caso e em toda a economia – pode muito bem facilitar a prosperidade a longo prazo.
E não é este mesmo “curto-prazismo” que está a ser exigido pelo Mercado e aplicado pelos governos dos países endividados, ao exigirem o pagamento a curto prazo, de dívidas feitas durante décadas?
Se as consequências não são as melhores para as empresas, para as sociedades e cidadãos são desastrosas, até porque estes não tem um prazo longo de vida…
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