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sábado, 3 de novembro de 2012

A falta de bom senso à solta! Com senso?

O debate sobre a reforma do Estado social dominou esta semana, da esquerda à direita. Passos convidou Seguro a contribuir, mas não lhe deu tempo para refletir. Pior, chamou o FMI, rosto da troika em Portugal, a participar num processo que devia ser interno.
André Macedo
1. Quem confia no FMI para dar ideias?
O primeiro erro é evidente: o FMI não devia ter emprestado dinheiro a Portugal. O mecanismo de financiamento da UE e o BCE deveriam assumir essa responsabilidade por inteiro: têm capacidade financeira para o fazer, cobram até juros mais baixos e politicamente faz sentido que a União Europeia resolva os seus problemas sem precisar de muletas. Além disso, se tivesse sido assim, o FMI seria agora apenas um consultor bem informado e com experiência em catástrofes orçamentais, o que talvez ajudasse a UE a encontrar soluções mais depressa para sair da Grande Recessão. Desde esta semana, há mais um argumento para que as coisas tivessem sido assim: se o FMI não fizesse parte da troika, o pedido de Passos para que os seus técnicos ajudassem a redesenhar as funções do Estado não teria problema algum, nem seria recebido com tanta desconfiança. Mas não se pode pedir ao capataz que se transforme de repente em conselheiro. O FMI é a cara da troika. Misturá-la com a reforma do Estado cria o ambiente errado para a discussão.
Ponto final. O FMI gera desconfiança no país inteiro. Passos errou ao envolver o Fundo na reforma do Estado, apesar de esta consultoria não custar diretamente um cêntimo.
2. Passos não confia em Seguro?
Depois dos erros de política orçamental (financeira e económica) em 2012, estamos agora ao nível dos erros de estratégia política. O primeiro-ministro geriu mal este processo da refundação do Estado. Se queria genuinamente envolver o PS, tinha falado com António José Seguro antes de anunciar a ideia. Não o fez e, em resposta, o secretário-geral do PS respondeu-lhe com pedras na mão. Além desta asneira, fez logo outra: o convite ao FMI. Além do argumento que usei em cima, há outro: o FMI começou logo a trabalhar no dossiê, reuniu-se com os ministros da Defesa e Administração Interna para ver onde cortar. O que podia ser um sinal de eficiência (e é), também revela a falta de calma do governo, incapaz de dar uma semana ao PS para refletir sobre o assunto. Mesmo que a resposta fosse negativa, Passos tinha o dever de tentar que o processo político fosse o mais abrangente possível desde o início. Porquê? Porque o que está sobre mesa implica mudanças estruturais. Assim, além de convidar desde a primeira hora o PS, deveria ter nomeado uma comissão de economistas nacionais e internacionais para apresentarem soluções.
Ponto final. A reforma das funções do Estado começou muito mal.
3. Confia em Gaspar para pensar o país?
A reforma das funções do Estado tem de conseguir poupanças anuais de 4.000 milhões. É revelador que o problema seja visto assim. Passos tem um número como meta e não uma percentagem do PIB como objetivo. É enorme a diferença entre uma e outra abordagem. Pensar numa poupança de 4.000 milhões traduz uma preocupação contabilística imediata, o que sendo legítimo também tem as vistas curtas: se a economia crescer e as receitas aumentarem, o buraco fica logo mais pequeno; se a economia continuar em espiral recessiva, nem estes 4.000 milhões serão suficientes. Não se pode mudar o país radicalmente só a pensar no imediato. É um disparate, é um absurdo, é um perigo. Além de sabermos onde gastamos hoje (em percentagem do PIB) e onde podemos poupar, temos de saber onde temos de continuar a investir para chegarmos ao nível dos países com que nos comparamos. Olhemos para a educação: o Estado gastará 4% do PIB em 2013, a zona euro gastará 5%. Faz sentido aumentar esta diferença?
Ponto final. As funções do Estado não podem depender só da situação orçamental em 2013. Se for assim, vamos ter um Estado mínimo.
4. Confia nos bombeiros contabilistas?
Temos um governo de bombeiros que agora se quer transformar num governo de arquitetos. Refundar o Estado é isto: exige conhecimento da realidade, claro, mas também requer um olhar maior e mais amplo dos interesses que estão sobre a mesa. Não se pode redesenhar o Estado a pensar apenas nos atuais problemas orçamentais, embora eles não possam ser afastados da equação. O drama é que Gaspar vê tudo no curtíssimo prazo. Ele é como aqueles CFO que gerem para o trimestre, nunca querem investir em nada. Portanto, o primeiro-ministro tem aqui outro desafio: a centralidade do processo de revisão das funções do Estado não pode estar no Ministério das Finanças - seria mais um grave erro político. Erro porque seria dar ainda mais poder a um ministro que já o tem de mais; e erro porque até hoje não se viu em Gaspar qualquer sinal de inteligência estratégica, política e social que ajude a engrandecer o país. O assunto tem de passar já para as mãos de Passos Coelho ou vai dar muito mau resultado.
Ponto final. A reforma do Estado tem de estar centrada em Passos e Portas, não em Vítor Gaspar.
5. Confia que os impostos vão baixar?
Deixo para último talvez o mais importante. Passámos a semana a ouvir falar em refundação(?) do Estado, mas não se ouviu falar em impostos. É preciso que fique claro o seguinte: o recuo do Estado - na saúde, na educação, nas pensões, etc. - tem de implicar uma imediata e proporcional redução dos impostos diretos. Não podemos pagar como suecos e ser tratados como americanos, até porque não temos nem dinheiro nem economia para isso. Esta questão tem de estar sobre a mesa desde o primeiro momento, apesar de ter sido chutada pelo governo para um futuro distante. O difícil não é reduzir as funções do Estado - cortar é fácil; o complicado é, ao mesmo tempo, baixar os impostos e, mesmo assim, conseguir manter o sistema a funcionar com qualidade para os que continuarão 100% dependentes do sistema público. O desafio é esse, até porque há áreas - a saúde, por exemplo - em que o público é bem melhor do que o privado. Como se fará a transição sem deitar a perder tudo o que se ganhou até aqui? Como mudar sem que isso represente um tremendo atraso civilizacional?
Ponto final. Menos Estado igual a menos impostos - o governo não se pode esquecer disto. Ou pode?

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