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segunda-feira, 29 de outubro de 2012

A APOSENTAÇÃO É UM DIREITO, adquirido pelos descontos que se fez, como num seguro de vida!

Para este governo os reformados são um alvo a abater e, nesta matéria, o orçamento é inconstitucional, considera o ex-ministro.
Entrevista de Isabel Tavares
Conselheiro de Cavaco Silva, Bagão Félix considera-se um “espírito livre” e, apesar de mais próximo do CDS, não fica chocado com uma coligação a 3 no governo no momento actual. E lembra que o Partido Socialista tem 2 deveres que não devia esquecer, o da memória e o da gratidão. “Napalm” e “sistémico” foram duas palavras-chave que usou para definir a proposta de Orçamento do governo para o próximo ano. Em entrevista ao i, diz que “continuamos em recessão e essa talvez seja a principal crítica: o Orçamento para 2013 parte do princípio que a solução vai ser aquela que em 2012 foi um problema. É insistir no erro”.
Não há limite para o aumento de impostos?
Costumo dizer que já começámos a habituar-nos à ideia de que o último aumento de impostos é o último antes do próximo.
Só não vemos crescer a economia. Como se quebra este ciclo?
Estamos num tempo de grande austeridade e sujeitos a uma situação de protectorado financeiro em razão daqueles que nos emprestaram dinheiro para não cairmos na bancarrota. Não podemos esquecer isto. Em Portugal temos pouca memória. Há um ano e meio o candidato do Partido Socialista, na altura ainda primeiro-ministro, continuava a falar em TGV, aeroportos e novas auto-estradas com a situação do país completamente desgraçada. Em política, além de gratidão há que haver memória. O problema do país e da governação pode resumir-se, em termos muito genéricos, a muitos problemas, escassez de soluções, conflitualidade entre vários objectivos – e é aí que vai a questão do crescimento –, e muita dependência de factores que não controlamos – qualquer quebra da economia em Espanha, por exemplo, é fulminante para Portugal.
Como se sobrevive a este quadro?
Em primeiro lugar, tentar que a política orçamental, embora não possa favorecer o crescimento a curto prazo, pelo menos não o prejudique. Limitar os danos. Em segundo, adoptar medidas sobre a economia, que não existem. Há 30 anos, o investimento constituía 33% do PIB. Hoje anda pelos 17%, 18%. O investimento em 2013 vai ser, em termos nominais, igual ao de 1998, cerca de 30 mil milhões de euros.
Como podemos travar esta regressão?
Sobretudo temos de parar com o endividamento.
Como é que isso se faz?
Desde logo, reduzindo ou tentando equilibrar as contas públicas. O saldo primário estrutural do nosso Orçamento do Estado já não é negativo, se não fossem os juros estaríamos numa situação já equilibrada. Lá está uma questão que pode e deve ser equacionada.
Negociar os juros…
Há aqui um problema que os credores e as autoridades internacionais muitas vezes secundarizam. Uma coisa é nós fazermos consolidação de contas públicas em 2, 3 ou 4 anos, tentar resolver num período curto um problema de décadas. Outra coisa são as reformas estruturais, que, mesmo bem feitas e depressa, só produzem efeitos a médio/longo prazo. É nesse sentido que defendo um alargamento dos prazos, não é para dizer que agora temos mais tempo, vamos relaxar.
E quanto aos juros?
Andaremos à volta de 8 mil milhões de euros de juros da dívida directa – não estou a incluir o sector público empresarial, etc. Se conseguirmos uma redução de 10% do custo implícito da dívida, são logo 800 milhões. Significa a possibilidade de não retirar à economia, às famílias e às empresas, sob a forma de impostos, estes milhões de euros. Precisamos ser mais activos com a troika a um nível máximo, não apenas com funcionários, respeitáveis, destas instituições, mas com quem manda verdadeiramente.
E dizer o quê?
Que estamos a ser ajudados, se não fossem estas instituições estaríamos em situação de cessação de pagamentos, mas só conseguimos respirar para o crescimento se o custo do financiamento for um pouco inferior. A ajuda não é apenas emprestar dinheiro, é emprestar dinheiro no tempo e no prazo certo com o menor custo possível. O próprio Fundo Monetário Internacional está a perceber que esta solução não é a melhor, e o caso mais evidente é a Grécia.
Temos vindo a dizer que não somos a Grécia. Não vamos ser?
Não. A Grécia está em recessão há 6 anos, tem uma taxa de desemprego de 25% – também já está com um saldo externo positivo, praticamente como o nosso –, tem maior instabilidade política, social e tem menos respeitabilidade e credibilidade. Agora há uma coisa que não é diferente: não se pode resolver o problema da recessão juntando mais recessão à recessão.
É um círculo vicioso?
A Grécia já tem 2 resgates, um perdão parcial da dívida muito substantivo e continua em queda, o que significa que quem fez esta receita tem de ter a capacidade de autocrítica, de humildade técnica e política, para perceber que este caminho não está a conduzir a lado nenhum. Isto também se deve ao projecto do euro, que resultou de um excesso de voluntarismo político e de alguma arrogância técnica. É um projecto coxo.
Acredita que as coisas vão ser diferentes depois das eleições na Alemanha?
Tenho um sentimento um pouco dividido. Não quero falar da chanceler Merkel, prefiro falar dos alemães. Esta discussão tem sido muito pouco ordenada. Uma Europa, perante um tempo de velocidade alucinante, decide a passo de tartaruga e executa a passo de caracol. Precisávamos de encontrar o ponto de intercepção de duas curvas, aquela em que não se deve beneficiar o infractor – quem é indisciplinado tem de pagar –, e a outra em que a Europa é uma união política, económica, social, monetária e solidária. Somos uma união europeia completamente desunida.
Mas acredita que depois das eleições a Alemanha pode flexibilizar ou não?
Depois das eleições, tanto quanto é possível prever, vai haver uma grande coligação entre a CDU e a CSU (democratas -cristãos) e o SPD (sociais-democratas). O actual líder do SPD é uma pessoa bastante conservadora, entre aspas, é um SPD de direita. Acho que vai ser positivo porque, apesar de tudo, gosto de governos de coligação em que haja divergências, porque essas divergências permitem limitar os danos. Às vezes demora-se mais tempo a atingir o ponto de convergência, mas quando este se atinge tem menos erros do que se fosse um governo monocolor. O meu receio é que até Setembro do próximo ano não mude nada de substantivo. Não estou a ver a chanceler a fazer grandes concessões neste período de quase um ano e essa variável é importante.
Prefere governos de coligação também em Portugal, este está a funcionar?
Em Portugal prefiro governos de coligação. Aliás, tenho essa experiência: estive no governo de Sá Carneiro, embora como secretário de Estado, no governo de Durão Barroso, no governo Santana Lopes, tudo governos de coligação, e também estive no governo do professor Cavaco Silva, de um partido único.
Porque prefere governos de coligação?
Porque exprimem melhor a potencialidade da diferença. Ter opiniões diferentes sobre algumas questões fundamentais não faz mal, pelo contrário. O que é preciso é que essas opiniões diferentes não paralisem a acção governativa. Em Portugal sobrestimam-se, a meu ver em excesso, as divergências dentro de um governo de coligação.
Os governos de coligação têm sido sempre penalizados em eleições…
Têm sido, mas por razões circunstanciais. Agora todos os governos, sejam de partido único ou de vários partidos, são penalizados por razões óbvias, de direita ou de esquerda. Mas sou favorável a governos de coligação em que há um partido maior e um partido menor. E essa proporcionalidade, obviamente, é uma variável importante. Têm um poder de influência nas decisões que não é o mesmo, ponto um. Mas também não pode ser o contrário, o partido menor ser uma espécie de sidecar do partido maior.
O que quer dizer com isso?
O sidecar não tem volante, nem travões, nem acelerador, nem embraiagem, simplesmente é guiado pelo outro. Isso também não pode acontecer.
Via com bons olhos um governo de coligação em que estivesse o PS?
Isso é diferente, é um governo de coligação a 3.
Sim…
No futuro, não me choca absolutamente nada. Vejo isso com bons olhos. Em tese, num momento tão difícil para a vida nacional, o governo devia ter, de algum modo, os 3 partidos presentes. No fundo, os partidos que assinaram o Memorando de entendimento ou deram o seu acordo. O país precisa de estabilidade governativa o mais alargada possível e de coesão social.
O Presidente da República deveria impor essa coligação?
O Presidente da República pode influenciar. Mas tem de existir essa vontade patriótica dos partidos, porque é no parlamento que os governos são votados ou chumbados.
Cavaco Silva pode ou não fazer mais?
Se a situação nos próximos tempos não melhorar do ponto de vista económico, social – os próximos 4, 5 meses vão ser muito importantes –, evidentemente que podemos entrar numa situação mais delicada, e aí terá de haver qualquer tipo de solução.
É esse o tempo que julga necessário?
Sim, acho que até finais da Primavera do próximo ano…
Não será tarde de mais?
Talvez seja, mas há-de ser uma data-limite. Ou o governo evidencia coesão, e a sua política, ao contrário do que eu penso, está a dar resultados – e nessa altura sou o primeiro a aplaudir, como português e até como contribuinte, que em 2014 vai ser pior, porque temos de passar de 4,5% para 2,5% –, ou se isso não acontecer…
O Orçamento do Estado para 2013 é um confisco?
Eu chamei-lhe septicémia, napalm… Do ponto de vista fiscal é brutal e injusto e posso dar exemplos concretos, mas, sobretudo o que me preocupa é que este Orçamento vai buscar a solução ao bolso dos contribuintes e isso vai gerar um efeito avassalador sobre a nossa esperança, que é a economia, é aí que se criam empregos, que se fazem investimentos, que se sustenta o perverso. Não sou constitucionalista, mas acho que há uma norma que é absolutamente inconstitucional, que é a sobretaxa de solidariedade sobre as reformas. Os reformados, para este governo, tornaram-se um alvo a abater.
Foi o Estado que estabeleceu as regras, que os obrigou a descontar para terem esse dinheiro quando deixassem de trabalhar…
Trata-se de um direito adquirido pelos descontos que se fez. É como fazer um seguro de vida, pagar os prémios todos e depois só lhes dão metade daquilo a que têm direito. O que é que chama à companhia de seguros? Não é preciso dizer o nome. Para 2013 está previsto que o pensionista, além de pagar o IRS agravado como todos os outros, além de pagar uma sobretaxa de 4%, vai pagar uma taxa de solidariedade que varia entre 3,5% e 50% a partir dos 1.350 euros. Fiz dois exercícios: um pensionista com uma pensão de 2200 euros vai ter um aumento tributário de 10,9%, e um pensionista com uma pensão de 2700 euros vai ter um aumento de 16,2%. Estamos a falar de pessoas que já não podem reverter o processo. Estamos perante uma situação em que pessoas com o mesmo rendimento, um activo e um reformado, são tratadas de maneira diferente apenas porque um trabalha e outro não.
O Orçamento devia ir já ao Tribunal Constitucional?
É uma questão pela qual me sinto dividido. Por um lado, ir previamente através do senhor Presidente da República aumentava a segurança jurídica. Acho que há tempo e é preciso que todos os órgãos sejam ouvidos. Há um factor adicional, uma decisão do Tribunal em Dezembro é mais livre, em Abril ou Maio já está mais pressionada.
A receita troika fala num Orçamento em que um terço da receita seja via impostos e dois terços via despesa. Mas acontece o contrário…
É, 81% do lado da receita e 19% do lado da despesa. O ministro Vítor Gaspar disse esta quinta-feira no parlamento uma frase com a qual não posso estar mais de acordo: “O verdadeiro imposto é a despesa.” Pois então, vamos à despesa.
Onde é que se pode cortar?
Em primeiro lugar, o importante é fazê--lo de uma maneira definitiva, porque o que se tem feito ao longo dos anos é reprimir a despesa. Uma coisa é o efeito preço – não actualizar prestações sociais, diminuir salários, congelar carreiras, retirar subsídios –, outra é o efeito volume, ou seja, reduzir o Estado. E temos dois tipos de Estado, o da administração directa, que vive em situação de penúria extrema, com poucas pessoas, pessoal desqualificado – e que obriga a fazer outsourcing, gastar mais dinheiro e ficar refém de pressões e interesses –, e o Estado paralelo, que é o sector empresarial, os institutos públicos, etc.
Mas veja o que aconteceu com as fundações: de 800 compareceram metade, foram avaliadas 190, decidiu-se a extinção de 17, fecharam quatro?!
Obviamente os resultados são exíguos face às expectativas. O senhor ministro diz que temos de repensar as funções do Estado, mas andamos a dizer isto há muito tempo. Afinal este ano o que é que se fez?
Também tem de se reduzir pessoal na administração pública central...
Tem. Não pode ser de outra maneira porque assim é insustentável. A questão é que há instituições que se desaparecessem hoje ninguém dava por isso.
Quais?
Muitas.
Quer dar um exemplo?
Coisas relacionadas com o Instituto da Juventude, coisas relacionadas com observatórios… Alguns dos observatórios podem até não custar dinheiro, mas as pessoas quando estão nos observatórios não estão no seu lugar de trabalho. Além das políticas de aposentações tem de haver uma política de rescisão de contratos com uma indemnização adequada e justa.
Não é fácil despedir funcionários públicos...
Confesso que não vejo bem onde é que está na Constituição que os funcionários públicos não podem ser despedidos, mas isso é outra questão. Isso é um mito. Mas muitos dos funcionários do Estado hoje já têm contrato individual de trabalho.
E como é que o Estado paga as indemnizações justas?
Mantenho a ideia que tenho desde 2004, quando era ministro das Finanças. Na altura ainda começámos a gizar um fundo que financiasse essas compensações progressivamente. Não pode ser de um momento para o outro, leva 3, 4 anos, e é por isso que também precisamos de mais tempo, não é carregar no botão e as pessoas desaparecem.
Como seria financiado o fundo?
Por receitas das privatizações. As receitas das privatizações não abatem ao défice, abatem à dívida. No fundo, se pegar nalgumas dessas receitas para pagar indemnizações está a pagar a dívida pública que se vai formar através dela, portanto conduz ao mesmo resultado. Há também quem diga que isso iria agravar brutalmente o défice em anos de rescisões, mas não, porque seria negociado com a União Europeia. Não estamos perante impossibilidades, temos é de discutir o assunto. Não estou a dizer que esta é a melhor solução, estou a dizer que há saídas.
Aceitava fazer parte de um governo de salvação nacional ou de iniciativa presidencial?
Primeiro não gosto da expressão “salvação nacional”, porque não há salvadores…
Aceitaria ou não?
Essas coisas não se podem pôr em abstracto. É preciso ver quem são as pessoas, com que programa, em que condições, com que garantias, etc. Eu sou um espírito livre. Há pessoas que não gostam. Sei, porque tenho ouvido várias referências a membros de partidos, do CDS, de quem estou mais próximo, embora seja independente, ou do PSD, que citam o meu nome para dizer “este aqui e tal, já foi ministro disto...”, como se as pessoas que tivessem exercido funções anteriores tivessem o capsis diminutio e não pudessem falar. Eu procuro dar o meu contributo cívico.
O que falta aos políticos de hoje?
A política – e esta é talvez das questões mais sérias – é exercida por uma maioria significativa de pessoas que não têm experiência de vida fora da política, o que não acontecia há 20 ou 30 anos. Portanto, há uma maior dependência e muitas vezes pensam em função, naturalmente, das suas próprias preocupações e das suas próprias vidas. Fui para a política tendo a minha vida profissional e saí da política e voltei para a vida profissional. Neste sentido estou aberto a colaborar, mas não preciso de estar num governo de salvação nacional.
Há pouco disse que as pessoas deviam ter memória e gratidão. Gratidão a quem e memória de quê?
Vou dar-lhe um exemplo que esteve esta semana em cima da mesa: o ministro da Segurança Social anunciou cortes no subsídio de desemprego, que do ponto de vista social é muito sensível e nos custa a aceitar – e acho que o primeiro a quem custa aceitar é ao próprio ministro. E, já agora, faço um parênteses para dizer que estas medidas são todas anunciadas um bocadinho a retalho, e não pode ser assim, isto é cansativo e dispersivo. Mas sobre os cortes veio logo o Partido Socialista reagir. Por uma questão de memória fui ler o Memorando e a certa altura está lá que para 2013 o governo deve reduzir a despesa em benefícios sociais pelo menos mais 350 milhões de euros. Portanto o governo, das duas uma, ou diz não cumpro e isso pode ter consequências, porque nós estamos a viver por obra e graça do dinheiro que nos emprestaram, ou tem de cumprir e não pode ser quem assinou o acordo que agora vem dizer que não pode ser assim. Tem o direito de dizer isso, mas então proponha como e onde podem ir buscar-se estes 350 milhões de euros. Essa resposta é muito correcta do ponto de vista político, agora o que não podem é dizer pura e simplesmente que o governo não tem sensibilidade e por aí fora. O Memorando de entendimento fala também, a certa altura, em “aplicar o IRS a todos os tipos de prestações sociais”. Quando agora se fala dos 6% sobre o subsídio de desemprego, é preciso ter em conta que isso está lá.
Essa é a parte da falta de memória. E a da gratidão?
O Partido Socialista, que foi o grande responsável, o governo de Sócrates – porque em 2004 a dívida pública era de 60% do PIB e ele saiu de lá com mais de 100%, duplicou a dívida pública! É preciso que haja memória para isto. Depois eles próprios negociaram e assinaram o acordo com aqueles que nos permitem que o país não tivesse outro tipo de escolha. E agora têm de perceber – e eu tenho discordado de muitas medidas deste governo, como sabe – que o Partido Socialista tem de estar grato ao governo que o povo elegeu porque está a executar uma política pela qual não é responsável e tem de executar. É neste sentido. E há aqui uma gratidão ingrata!

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