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segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Precariedade: acrimónia, anomia, ansiedade, alienação

Não contem com os dirigentes da UE para nos tirarem da crise. O futuro vai ser moldado pelos jovens que eles marginalizaram, escreve o filósofo polaco Jaroslaw Makowski, numa altura em que Bruxelas procura fundos para ajudar o programa de intercâmbio de estudantes a sobreviver aos cortes orçamentais.
Até agora, os sociólogos têm-se debruçado sobre a chamada "geração perdida". Os políticos tinham-se mostrado cautelosos, não utilizando a expressão, até que o primeiro-ministro italiano, Mario Monti, quebrou a conspiração do silêncio, dizendo aos seus jovens compatriotas: "Vocês são uma geração perdida". Ou, mais precisamente: "A verdade, que infelizmente não é agradável, é que a promessa de esperança – em termos de transformação e melhoria do sistema – será apenas para os jovens que surgirão daqui a alguns anos”.
A chanceler alemã, Angela Merkel, e o primeiro-ministro britânico, David Cameron, podiam ter dito a mesma coisa, mas foi Mario Monti a tomar a dianteira. Isto significa que os dirigentes vão, em breve, começar a pregar "boas notícias", de modo a fazer os jovens esquecerem a vida agradável que os pais tiveram.
Falemos com clareza: são as elites políticas e intelectuais as responsáveis pela atual crise da Europa. São uma geração de dirigentes que cresceu num "palácio de cristal". Curiosamente, a existência protegida que viveram, desfrutando de prosperidade e segurança, não foi criação sua. Merkel e Cameron, tal como o antigo chanceler alemão Gerhard Schröder e o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, antes deles, herdaram-na dos seus antecessores. E revelaram ser apenas uma eficiente "cooperativa de consumo", como lhes chamou Zygmunt Bauman, consumindo os frutos do trabalho dos outros e desfrutando do brilho de êxitos que não produziram.
A Europa foi criada e construída por uma geração para a qual um passado trágico – encarnado por Auschwitz – representava uma experiência de vida. Os fundadores da União Europeia – Konrad Adenauer, Robert Schumann ou Alcide de Gasperi – perceberam que só trabalhando em conjunto poderiam construir algo duradouro e positivo. A solidariedade europeia revelou-se uma bênção.
Desenvolvimento não lucrativo mas sustentável
As elites dominantes de hoje viveram sob condições totalmente diferentes, desfrutando de segurança, paz e uma melhoria sistemática da qualidade de vida. Foi o resultado da construção de um razoável Estado social. Como é que, depois de tão espetacular sucesso, a Europa vive hoje um talvez igualmente espetacular fiasco? Isso deve-se à crença das elites atuais de que herdaram a UE dos seus antecessores, em vez de a terem tomado emprestada para os seus filhos. A mentalidade e o espírito das pessoas que lideram hoje a Europa podem ser resumidos da seguinte forma: "Vamos aproveitar a vida enquanto podemos, porque em breve a UE vai ser apenas uma memória”.
Qual é o maior problema da Europa, o tema mais escaldante dos nossos dias? Vemo-lo nas ruas e praças das nossas cidades. "Temos o direito de votar, mas não temos trabalho!", gritam os jovens desempregados. Temos uma democracia, mas não temos pão nem casa. A precariedade cresce diante dos nossos olhos. Que tipo de pessoas a sente? Guy Standing, autor de “The Precariat: The New Dangerous Class” [Precários: a nova classe perigosa], dá uma resposta curta e incisiva: praticamente toda a gente. Fundamentalmente, os jovens.
E a única coisa que ouvem dos seus dirigentes é que são uma "geração perdida", que a UE pode entrar em colapso. A precariedade, observa Standing, arrasta "quatro AA": acrimónia, anomia (ou seja, quebra dos laços sociais), ansiedade e alienação. O resultado de um tal espírito social é o "cidadão enfurecido" que vimos em ação nas ruas de Londres, no verão de 2011. São os "novos pobres", que não têm nada em comum com o desamparo dos sem-abrigo. Uma geração com uma perspetiva de vida de desemprego de longa duração ou flexi-empregos abaixo das suas qualificações e ambições. Esta situação gera raiva e fúria.
A questão que enfrentamos hoje é esta: como se cria coragem a partir desta fúria? Em primeiro lugar, não esqueçamos que a coragem de pensamento deriva da coragem de visão. Vamos, pois, dizer em voz alta: "Não tenhamos medo do nosso ódio". Temos o direito a ele, na presente situação que vivemos. Há apenas uma condição: raiva, revolta e, em última análise, ódio não devem ser dirigidos contra o outro. Não devem ser dirigidos contra outros seres humanos, porque, senão, seria como deitar petróleo no lume. Transformaríamos o nosso mundo num pesadelo absoluto.
O ódio e a raiva que milhões de jovens europeus carregam hoje nos seus corações têm de ser dirigidos contra a indiferença. O nosso imperativo categórico, presentemente, é este: "Odeio a minha indiferença". Em segundo lugar, como escreve Claus Leggewie no seu famoso livro, “Mut statt Wut” ["Coragem em vez de raiva"], grandes mudanças exigem "imaginação construtiva e iniciativa". Mas quem pode garantir que os novos fios condutores que uma Europa unida seguirá não vão ser egoísmo mas solidariedade, não concorrência letal mas colaboração, não lucro mas desenvolvimento sustentável?
Vamos primeiro assentar em quem seguramente não irá fazê-lo, por razões que são morais, intelectuais, bem como espirituais: os dirigentes europeus. Aqueles que nos últimos 2 anos têm tratado de salvar a UE com tanto êxito que ela pode tornar-se apenas uma memória. Os atuais dirigentes não são a solução para os problemas da União, mas a sua origem. Pedir a Merkel ou Hollande para nos tirarem da atual crise é como pedir a um cego para debater pintura impressionista.
Crise de esperança
Então, quem? Por mais louco que possa parecer, acho que o último recurso da Europa é a geração Erasmus. Um projeto que, como ouvimos aos eurocratas de Bruxelas, é tão extravagante que pode ter de ser sacrificado, como parte das suas "medidas de austeridade". Realmente, porque havíamos de gastar dinheiro dos contribuintes em bolsas para os jovens europeus que, segundo consta, passam a maior parte do tempo a divertir-se? Em que é que as conferências, debates e viagens de estudo dos eurocratas, com as respetivas ajudas de custo, tudo financiado com os nossos impostos, serve melhor a coesão da UE do que o financiamento de experiências de estudo e de vida a jovens noutros países?
A geração Eramus é a que está confrontada com a perspetiva de desemprego. É uma geração que vive uma crise de esperança. Ao mesmo tempo, foi a que cresceu a conhecer a diversidade da Europa através do contacto entre pares. Uma geração que, devido à sua situação desesperante, entende aquilo a que o grande filósofo checo Jan Patocka chamou "solidariedade dos chocados". Este destino comum faz com que a geração Erasmus saiba hoje que o mundo como nós o conhecemos está a chegar ao fim. O que está a começar? O futuro está nas nossas mãos. É tempo de a "geração perdida" de hoje começar a construir uma nova Europa. Precisamos de uma política progressista, que não se baseie na lógica de crescimento, mas numa mudança radical com base nele. Hoje, a única liberdade não é a daqueles que dizem "mais, mais, mais" (mais consumo, mais crédito, mais destruição da Mãe Natureza), mas daqueles com força e determinação para dizer "basta!"
Membros da geração Erasmus, bem sei que estão sem trabalho, repetidamente privados de esperança num futuro melhor, mas, hoje, vocês são a última oportunidade da Europa. Se não forem vocês, quem vai salvar a UE? Quando, se não hoje? Façam-no por vocês e pelos vossos filhos. O "sonho europeu" está nas vossas mãos.

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