É possível estabelecer uma relação entre ação política e paixão erótica? O que leva o homem a agir politicamente e o que o atrai eroticamente? Nietzsche sugeriu que se tratava da “vontade de poder”: a existência de um desejo instintivo no homem de impor a si mesmo e aos outros a sua própria escala valorativa. Aristóteles acreditava que tanto a ação política como a erótica eram respostas à tendência humana de realizar fins: a vida boa na política e a procriação na erótica. E para Maquiavel?
O homem, para Maquiavel, é um ser solitário e autointeressado que faz o bem quando é obrigado e faz o mal sempre que tem oportunidade. A solidão que atinge a essência do homem fá-lo enfrentar o problema: como alcançar a união, como transcender o solipsismo da vida individual e encontrar compensação? Enquanto o homem permanecer prisioneiro da sua solidão será incapaz de dominar ativamente o mundo, as coisas e as pessoas. Por outras palavras: se ele decidir viver só, estará fadado ao fracasso em todos os sentidos.
A ação política e a paixão erótica emergem como meios de romper as cadeias que prendem a alma humana e impulsionam o homem ao encontro dos outros em busca de compensação.
O prazer do poder político, assim como o prazer da paixão erótica, está baseado na sensação de submissão. O erótico, na paixão, é o meio pelo qual se possui uma pessoa, mas só por um instante. O exercício do poder político, em compensação, é a possibilidade de possuir muitas pessoas e por um tempo prolongado. O exercício do poder produz prazer constante. Contudo, se a posse erótica é mais breve do que a política, o orgasmo confere-lhe maior intensidade.
O erótico e o político estão unidos por uma mesma paixão humana: o poder. Poder é a capacidade de controlar a vontade do outro e impor-lhe determinado comportamento, mesmo contra a sua vontade. Na ação política e na ação erótica, o controlo da vontade do outro é tanto mais eficaz quanto mais prescindir da força bruta. O verdadeiro dominador é um encantador de serpentes. Ele faz uso da comunicação perlocucionária objetivando atingir os seus fins, que é manter-se no poder.
O mundo da ação política é, por definição, pura presentidade. Aqueles que vivem nele são obrigados a tomar decisões no agora e aqui. Ali onde o presente é toda a realidade, onde o futuro se resume a escolhas presentes, domina a frivolidade. Neste mundo, as pessoas são levadas a querer usufruir imediatamente tudo quanto é possível. A regra de ouro é: gozar o tempo presente.
É aqui que o erótico e o político se fundem. Os dois são fruições instantâneas, maneiras de eternizar a glória fugaz de um momento privilegiado: a vitória no jogo político é o equivalente ao orgasmo no prazer erótico. Os escândalos sexuais que movimentam o noticiário político, em todas as esferas de organização do poder, são expressões da frivolidade de um mundo que não conhece sonhos. Basta recordar as fantasias do ex-presidente americano Bill Clinton com a sua Mónica Levinski. Na política e na erótica, é no agora e aqui que tudo se decide. É no agora e aqui que tudo é usufruído. A regra é o máximo de prazer pelo maior tempo possível. Aqui tudo é efémero, nada pode ser apreendido. A frustração é o sentimento inevitável num mundo em que tudo precisa de ser gozado imediatamente.
A aproximação entre o erótico e o político, na maneira como foi feita aqui, gera certo desencanto, com a política! Com efeito, se a ação política se rege pelo prazer efémero da fruição, do gozo, da vitória, à semelhança do orgasmo na relação erótica, o que podemos esperar dela? Será que a política não consegue ser mais do que um jogo em que interessa unicamente vencer, em que importa tão só o resultado?
Quando olhamos para a ação política tal como ela acontece, a única resposta possível é de que ela não passa de um jogo em que interessa a vitória dos competidores. Não há finalidades substanciais, não existe nada de permanente a ser esperado dela. O destino da ação política é ser isso? Não há nada a ser feito para transformar a ação política numa construção de um mundo de justiça, liberdade, igualdade? Será possível fazer da ação política uma obra que se dirija aos outros e não à satisfação dos próprios competidores?
Esta forma de ser de muitos que vivem no mundo partidário no nosso país, faz parte da “política pequena” como dizia Antonio Gramsci (1891-1937). Para que alguém consiga chegar à “grande política” é necessário que consiga transcender esta visão de mundo. E qual é essa nova visão? No próximo artigo indicaremos alguns caminhos. Contudo, abaixo você encontrará uma pista…
Voltemos por um instante à comparação da ação política com a paixão erótica. O eros é o desejo de fruição insaciável. Quer possuir o outro como objeto de satisfação. Como a saciedade jamais acontece, é frustração. Só quando o outro deixa de ser algo a ser possuído para ser alguém para ser amado, emerge a possibilidade de se ser feliz. Para amar é preciso deixar o outro ser, é preciso querer o seu bem, não porque nos faz falta, mas simplesmente porque ele existe, porque a pura existência dele é motivo suficiente para o amar.
Na ação política é preciso que um movimento semelhante aconteça para que se transforme de um jogo em que interessa tão só o resultado numa obra na qual é visado o conjunto da comunidade política e não os competidores do jogo. Enquanto a ação política se resumir à disputa entre partidos pela posse do poder, ou de indivíduos pelo domínio uns sobre os outros, ela não conseguirá ser mais do que fugacidade, esforço vão de eternizar a glória da vitória momentânea. Enquanto a ação política for isso, será igual ao orgasmo na relação erótica: um prazer fugaz impossível de ser retido. Como fazer a ação política transformar-se de um jogo de poder visado no resultado num instrumento de construção para uma sociedade justa? A resposta é tão complexa quanto a outra: como fazer que a paixão erótica se transforme de fruição e gozo momentâneos em relação de amor? A resposta a esta questão está na segunda parte deste escrito que você poderá ler na próxima semana.
José Luiz Ames é doutor em Filosofia, professor da Unioeste.
Ivo José Triches é diretor das Faculdades Itecne de Cascavel e Prof. Titular do Centro de Filosofia Clínica de Cascavel.
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