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segunda-feira, 7 de maio de 2012

Se não puderes vencer o inimigo alia-te a ele…

A recente visita da presidente do Brasil, Dilma Rousseff, a Washington DC, deu a oportunidade de questionar como é que alguns países que outrora eram pobres conseguiram sair da pobreza, como o Brasil fez. As instituições de desenvolvimento como o Banco Mundial têm defendido melhorias na legislação sobre os negócios para que o sucesso seja alcançado. Estarão certos?
Esta ideologia remonta, pelo menos, ao argumento de Max Weber que aponta que um ambiente empresarial necessita de uma estrutura legal tão previsível como um relógio. Nesse sentido, os investidores precisam de ter leis claras e tribunais eficientes. Assim, e deste ponto de vista, a segurança dos contratos e mecanismos que protejam os investidores são a base para o financiamento do crescimento económico. Se um potencial financiador não está seguro que vá ser reembolsado, ou ele ou ela não vão investir, as empresas não vão crescer e o desenvolvimento económico vai estagnar. Desta forma, as regras e as instituições estão primeiro; o desenvolvimento económico real vem a seguir.
Mas, por mais conveniente que esta lógica aparente ser, o crescimento do Brasil não o confirma: o crescimento económico e financeiro não foi precedido - nem sequer acompanhado - por melhorias significativas nos tribunais e nos contratos.
O crescimento é indiscutível: os mercados financeiros do Brasil expandiram-se de forma robusta, com a capitalização bolsista a aumentar de 35% do PIB, em 2000, para 74% em 2010. De 1996 a 2004, apenas 6 empresas foram lançadas, contudo, nos 8 anos seguintes foram criadas 138. No ano passado, o Brasil ultrapassou o Reino Unido - frequentemente um exemplo de segurança contratual - como a 6ª maior economia mundial.
Mas as mudanças legais não foram centrais no sucesso do Brasil. Em 2000, os tribunais brasileiros tinham a reputação de serem lentos e ineficazes na condução de processos que envolviam investidores. Reputação que se mantém até aos dias de hoje. Mesmo nas questões básicas da organização empresarial os especialistas brasileiros em direito, como Bruno Salama, apontam que estas questões continuam por definir, com os accionistas a estarem potencialmente expostos especialmente em processos fiscais e ligados ao trabalho.
Se os tribunais não estão a proteger os investidores, há outra instituição a fazê-lo? Novas e importantes regras na bolsa de valores contribuíram para fortalecer a confiança dos investidores, ainda que apenas em relação a novas empresas. Para os académicos como o John Coffee, da Universidade de Columbia, as bolsas de valores foram, historicamente, os primeiros passos a serem dados para proteger os investidores. Uma análise de Ronald Gilson, Henry Hansmann e Mariana Pargendler, relativamente ao "Novo Mercado" [também conhecido como BM&F Bovespa] no Brasil - o segmento da Bolsa de Valores de listagem especial e voluntária que protege fortemente os investidores no caso das empresas recém-listadas - sustenta essa visão.
Mas as bolsas de valores têm limitações, em especial no Brasil. Na ausência de um tribunal de confiança, elas não podem abrir um processo para impor as suas regras. O único recurso de que dispõem é tentar expulsar as empresas para fora da bolsa.
O "Novo Mercado" lidou com este problema exigindo que as disputas que envolvem as empresas recentemente registadas, sejam solucionadas através da arbitragem. A arbitragem comercial - e a obrigação dos tribunais de assegurar a execução das sentenças arbitrais - pode dar garantias aos investidores, mesmo que os tribunais normalmente não possam.
Mas a arbitragem - que ainda não foi testada em profundidade no que diz respeito a resolver as disputas no "Novo Mercado" - não parece ser a chave do sucesso recente do Brasil. Afinal, as suas medidas inovadoras aplicam-se apenas a empresas recentemente registadas no "Novo Mercado" e não à maioria das grandes empresas que fazem parte da economia brasileira, que estão registadas no principal segmento da bolsa de valores, e essas continuam presas às regras antigas, às instituições antigas e ao ineficaz sistema judiciário.
Duas outras mudanças importantes - uma óbvia e outra surpreendente - foram essenciais ao desenvolvimento financeiro do Brasil.
A estabilidade monetária, deflação e as riquezas dos recursos naturais conduziram a uma mudança óbvia que é o aumento das oportunidades de crescimento económico. Melhores políticas macroeconómicas levaram a um crescimento mais rápido do PIB, o que exige financiamento e motivou alguns analistas a renunciar a manobras prejudiciais que podem afastar novos investidores externos.
O crescimento provável conduziu ao desenvolvimento financeiro tanto quanto ou mesmo mais do que o desenvolvimento institucional fez. Enquanto a execução pública e privada vai precisar de sofrer melhorias se a economia brasileira quiser passar para o nível seguinte; dramáticas melhorias legais não sustentam a totalidade do desenvolvimento financeiro do Brasil até agora.
A segunda mudança é menos óbvia, mas é mais importante: a estabilidade política que adveio da vitória eleitoral do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002. A surpresa aqui é que Lula, um antigo líder sindical, de esquerda, foi largamente contestado, se não menosprezado, nos círculos empresariais e financeiros. Como é que a sua vitória ajudou a impulsionar o crescimento financeiro da década seguinte?
Apesar do passado, Lula prometeu não perturbar o capitalismo empresarial no Brasil, concorrendo com um vice-presidente com uma visão orientada para a economia de mercado. Por que é que ele o fez, é difícil de determinar: muito possivelmente, uma combinação do realismo de Lula e a sua reacção ao declínio dos mercados de capitais, com o medo que gerou, aumentou as suas hipóteses de ser eleito.
Uma vez eleito, Lula governou a partir da pragmática esquerda, continuando as políticas do anterior executivo. Na verdade, o Brasil continua a ter uma esquerda "dura", sendo que numa parte o próprio partido de Lula está confortável com, digamos, os irmãos Castro, de Cuba e o presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Mas um consenso emergiu no Brasil de forma que um partido de esquerda não pudesse nem vencer, nem governar com ideias de extrema-esquerda. Contudo, a presidência de Lula não desafiou esta visão.
O consenso pode dever-se ao sucesso do antecessor de Lula, Fernando Henrique Cardoso, nomeadamente o sucesso relativo das privatizações e a liberalização das economias de mercado por todo o mundo e o crescimento da classe média no Brasil. Seja qual for o caso, para os principais líderes de esquerda do Brasil, incluindo para Dilma Rousseff, o capitalismo tornou-se parte da solução, não o problema fundamental.
Os investidores assumem todo o tipo de riscos. Os maiores não são sempre os legais, nos quais o Banco Mundial e as agências de desenvolvimento estão focados; em vez disso, há o risco de uma empresa falhar ou de uma política implodir. Se as condições empresariais forem auspiciosas e aí existir um consenso forte a favor do capitalismo liberal enquanto principal foco económico, os mercados financeiros podem desenvolver-se e absorver relutantemente os riscos que advêm dos defeitos do sistema legal. Melhorias ao nível institucional ajudam, mas elas podem vir mais tarde.
Mark Roe é professor na "Harvard Law School". João Paulo Vasconcellos é advogado e sócio na firma de advogados "Leoni Siqueira" no Rio de Janeiro, Brasil.

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