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sexta-feira, 14 de outubro de 2011

E assim se parte uma sociedade…

José Sócrates poderia ter deixado, como na anedota, três cartas a Pedro Passos Coelho, com três conselhos a usar, um por cada crise de contestação social.
José Sócrates poderia ter deixado, como na anedota, três cartas a Pedro Passos Coelho, com três conselhos a usar, um por cada crise de contestação social. O envelope número 1 diria "culpa-me a mim". O envelope 2, "culpa a banca". O envelope 3, "escreve três cartas". Neste Orçamento do Estado, Passos Coelho vai abrir o envelope número 1.
Culpar José Sócrates pela austeridade adicional que será apresentada neste Orçamento é até apropriado e verdadeiro. O tal "desvio colossal" existia mesmo e concretizou-se num défice orçamental no final do primeiro semestre de 8,3%. Este ano, o problema será resolvido com a receita extraordinária do fundo de pensões da banca, que permitirá cumprir o objectivo de défice comprometido com a troika. Mas uma receita extraordinária apenas adia o problema... para 2012.
É para o próximo ano que o Governo propõe o maior esforço de consolidação orçamental de sempre em apenas doze meses. Haverá mais impostos além dos mais impostos já anunciados; haverá mais corte de despesa além do mais corte de despesa já previsto.
Este esforço será muito difícil de alcançar. Primeiro porque, como dizia ontem Fernando Ulrich, uma queda do PIB de 2,5% já parece hoje demasiado optimista. Mas sobretudo porque a tolerância social, que existe e que incorpora um espírito de missão invulgar dos portugueses, é como uma camada de gelo de que não conhecemos a espessura. E, como se viu na Grécia, sem governados dispostos não há governos possíveis.
Historiadores e sociólogos têm avisado que os "brandos costumes" são um mito de metade do século XX que esconde o recalcamento de um país que foi incendiário no século XIX.
Se é banco, mata; se é Estado, esfola; se é gestor, prende; se é rico, sova; se é velho, é improdutivo; se é novo, é calão; se é funcionário público, é privilegiado; se é desempregado, é dependente. Portugal está zangado e, mesmo quando não há razão, há razões para isso. Nenhuma razão é mais forte do que uma taxa de desemprego crítica, que inclui um desemprego jovem lancinante e um desemprego de longa duração alarmante. E assim se parte uma sociedade.
Quando a catadupa de medidas de austeridade for formalizada pelo Governo, dentro de dias, o circo político vai armar-se. Abrindo o envelope número 1, Passos Coelho passa a primeira crise. Mas não vai demorar muito até precisar de abrir o envelope número 2. A única forma de evitar a carta derradeira é conseguir mostrar aos portugueses que está a valer a pena. Que a despesa está a ser cortada. Que o défice está a ser cumprido. Que as privatizações estão a ser um sucesso. Que o dinheiro está a voltar. Que o martírio tem fim.
Este Orçamento não é o mais difícil de sempre, é o mais difícil como sempre. Mas é mais decisivo do que nunca. É isto ou o caos? Sim, é isto ou o caos.
Pedro Santos Guerreiro, director do “Jornal de Negócios”

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