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sábado, 11 de junho de 2011

Serve para pessoas, grupos e governos…

Geralmente o cínico é avesso à sensibilidade alheia. É bastante indiferente ao outro. Parece que o mundo à sua volta não lhe agrada tanto quanto deveria. Tudo parece girar em torno do seu eixo e das suas verdades. O cínico é mesmo louco pelas suas ideias, vez por outra solta uns lampejos firmes de refinada inteligência e perspicaz visão da realidade, destruindo opiniões óbvias e correntes do seu tempo. Na maioria das vezes, é dissimulado, ríspido com os afetos e constantemente contrário a quase tudo. Nada ou quase nada lhe satisfaz, aliás, a satisfação não faz parte do seu vocabulário irónico, a não ser que esteja em jogo a natureza, pura e simplesmente. A saciedade não é coisa para espíritos fortes e intragáveis como os do cínico.
“Diógenes no seu barril, rodeado de cães” - Jean-Léon Gérôme
A pessoa cínica parece sofrer de síndrome da super sinceridade. É um super sincero potencial. A verdade, custe o que custar, é para o cínico como o seu pão de cada dia. Ele gosta, tem o maior prazer em falar a verdade na hora mais indelicada, no momento mais inconveniente. O cínico é despojado de bons costumes, de luxo, de uma vida opulenta e assim por diante. Um exemplo disso é a famosa vida desprendida do cínico Diógenes que, entre outras curiosidades que cerceiam a sua história, morava num tonel e gostava de fazer as suas necessidades sexuais nas ruas e praças, também fazia suas refeições ao ar livre sem escrúpulo algum. Vivia como um cão: “Perguntaram-lhe que espécie de cão ele era; a sua resposta foi: 'Quando estou com fome, um maltês; quando estou farto, um molosso – duas raças muito elogiadas, mas as pessoas, por temerem a fadiga, não se aventuram a sair com eles para a caça. Da mesma forma não podeis conviver comigo; porque receais sofrer'. A alguém que lhe disse: 'Muita gente se ri de ti', a sua resposta foi: 'Mas eu não rio de mim mesmo” (LAÊRTIOS, Diógenes. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. Brasília, UNB. 1977. p. 166). A despeito disso, “enquanto Diógenes fazia a sua primeira refeição na praça do mercado os circunstantes repetiam: 'cão', e Diógenes dizia: 'Cães sois vós, que estais à minha volta enquanto faço a minha refeição!' Certa vez, Alexandre encontrou-o e exclamou: 'Sou Alexandre, o Grande Rei'; 'E eu', disse ele, 'sou Diógenes, o cão'. Perguntaram-lhe o que havia feito para ser chamado de cão, e a resposta foi: 'Balanço a cauda alegremente para quem me dá qualquer coisa, ladro para os que recusam e mordo os patifes” (idem, p. 167).
Na verdade, Diógenes, tratado por Platão e pela tradição filosófica de ‘cão’, talvez por possuir dentes finos e língua afiada, era muito sábio para ceder aos limites das convenções sociais e políticas da sua época. A sua vida foi toda ela ligada ao jeito socrático, irónico e impassível de ser. “A alguém que lhe disse: 'És velho, repousa!' Diógenes respondeu: 'Como? Se estivesse a correr num estádio eu deveria diminuir o ritmo ao aproximar-me da chegada? Ao contrário, deveria aumentar a velocidade. Conta Hecaton, no primeiro livro das suas Sentenças, que certa vez Diógenes gritou: 'Atenção, homens!', e quando muita gente acorreu, ele brandiu o seu bastão dizendo: 'Chamei homens, e não canalhas'. Conta-se que Alexandre, o Grande, disse que se não tivesse nascido Alexandre gostaria de ter nascido Diógenes” (idem, p. 160).
Não se incomoda em incomodar. É um inconformado por natureza. Não é passional a nada, a coisa alguma, menos ainda a algum tipo de sentimento. Resiste às críticas de modo infalível, e sai ileso de cada uma delas. Dificilmente um cínico se aborrece com as palavras de alguém. É muito nobre na arte de ironizar. Afinal de contas, a ironia é o seu grande negócio ou, até mesmo, a sua arma de defesa contra os seus inimigos, isto é, os seus opositores. “Durante o dia Diógenes andava com uma lanterna acesa dizendo: 'Procuro um homem!' Certa vez, estava imóvel sob forte chuva; enquanto os circunstantes demonstravam compaixão, Platão, que estava presente, disse: 'Se quiserdes compadecer-vos dele, afastai-vos', aludindo à sua vaidade. Um dia alguém o golpeou com o punho e Diógenes disse: 'Por Heracles! Esqueci-me de que se deve caminhar protegido por um capacete!' Alexandre, o Grande, chegou, pôs-se à sua frente e falou: 'Pede-me o que quiseres!' Diógenes respondeu: 'Deixa-me o meu sol'” (idem, p. 162).
Apto em atingir os seus oponentes com palavras afiadíssimas, o cínico é semelhante à pedra ou ao ferro, forte e cortante, devido à extraordinária resistência aos conflitos de ideias. Mostra-se hábil na arte de falar e de persuadir as pessoas. O cínico é uma verdadeira máquina de pensar e de guerrear com palavras. Os argumentos de um cínico são incrivelmente convincentes, aguçados e lógicos. Frio e pusilânime, por inúmeras peculiaridades, o cínico é encantador na forma de debater variados assuntos sobre a vida e de celebrar maravilhosamente a liberdade de expressão: “A alguém que lhe perguntou qual era a coisa mais bela entre os homens, esse filósofo respondeu: A LIBERDADE DA PALAVRA” (idem, p. 169).
Após a morte de um dos mais famosos cínicos da Grécia Antiga, ao lado de Antístenes, que difundiu tal escola, Diógenes legou supostamente uma imagem boa, de um homem abnegado das coisas materiais e supérfluas, que difundiu a ideia da felicidade pelos esforços requeridos à natureza, conforme à natureza simplesmente. Dele falaram: “Já não existe, ele, que foi cidadão de Sinope, famoso pelo seu bastão, pelo manto dobrado e por viver ao ar livre; foi para o céu, apertando os lábios contra os dentes e prendendo a respiração, tendo sido realmente um verdadeiro Diógenes de Zeus, cão do céu” (idem, p. 171).
Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva

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