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segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A “mercantilização” do carácter no contexto familiar

Colocando o “seu olhar” no âmbito das relações familiares, a presente nota investiga a relação existente entre a nova forma de se organizar o tempo no actual capitalismo e a formação do carácter humano, assim como, o reflexo das contradições da filosofia neoliberal no pensar e no agir deste homem.
O individualismo, a noção de propriedade privada e o liberalismo económico são princípios que “sustentam” o mercado competitivo do sistema capitalista desde o século XV (ARAÚJO, 1998). Contudo, o século XX é marcado por um “novo” liberalismo. HAYECK (1987), economista inglês e pioneiro das ideias neoliberais, reitera o individualismo e a competição como a forma mais viável de organização social. Repele qualquer forma de intervenção estatal na economia e na vida política, instituindo que o progresso somente será alcançado através da total “liberdade” individual. Concebe, assim, as bases do que hoje se denomina de “neoliberalismo”.
Apesar da predominância dessa visão personalista, há outra lente que podemos usar para analisar o pensar e o agir do homem. Para isso, partimos do pressuposto de que o homem possui uma natureza sócio–histórica, constituindo-se através das relações sociais que estabelece no convívio em sociedade (MARX, 1980). Assim, as relações familiares também são concebidas a partir das condições materiais produzidas na sociedade. No capitalismo, as regras mercantis são factores relevantes, que condicionam a forma como essas relações serão instituídas. Há uma lógica mercantil (de trocas comerciais, lucros, estabelecimento de contratos e preservação da propriedade privada) regendo a sua estruturação, na medida em que “... a família é o produto do sistema social e reflectirá o estado de cultura deste sistema” (Morgan apud ENGELS, 1974: 91). De acordo com ENGELS (1976), esse facto pode ser constatado, por exemplo, na instituição da monogamia como uma forma de preservação da propriedade privada e de concentração de riquezas.
Nessa perspectiva, reconhece-se que as relações familiares são permeadas pelas contradições sociais que emergem do modo de produção capitalista. Os indivíduos tornam-se mais livres e competitivos, contudo, experimentam mais de perto a solidão e a falta de autonomia, pois o individualismo exacerbado gera a necessidade da companhia do “outro” para se (re)afirmar numa posição social de poder, disseminando assim a competição e o conflito de interesses. O impacto dessas contradições neoliberais no âmbito familiar revela-se, entre outros modos, na dificuldade de se estabelecerem metas a longo prazo. A disputa pelo poder, a infidelidade e a maneira superficial dos membros de uma família se relacionarem exprimem sempre a urgência com que os interesses individuais devem ser satisfeitos, geralmente em detrimento dos interesses grupais.
Segundo SENNETT (1999), é nesse contexto familiar que se encontra uma das principais condições sociais que inviabilizam a estruturação do carácter na actualidade. Para o autor, os indivíduos envolvidos reproduzem uma “forma neoliberal” de relacionamento humano, marcado pelo individualismo, competitividade e por um novo elemento do actual capitalismo, a flexibilidade, que atribui um carácter de “curto prazo” a todas as formas de relacionamento.
O autor define o carácter como uma experiência emocional, que cria referências duradouras passíveis de serem compartilhadas entre os homens, caracterizado pela durabilidade, pela confiança e pela lealdade, adquiridas a “longo prazo”. No entanto, o actual sistema capitalista é marcado pela volatilização do tempo, devido, em parte, aos intensos impulsos consumistas e a sua consequente necessidade do descartável / renovável, como também, pelas transformações tecnológicas e científicas impulsionadas pela “guerra competitiva” do mercado capitalista. Dessa forma, o imediatismo, a flexibilidade e a necessidade de constantes mudanças impostas pelo sistema capitalista inviabilizam a construção do carácter.
Ainda de acordo com SENNETT (1999), a inviabilidade da estruturação do carácter parece decorrer da nova forma de se organizar o tempo. No período pós-guerra, berço do neoliberalismo como visto acima, os sindicatos e a intervenção estatal ampararam o trabalhador. Havia a possibilidade de se calcular o quanto de dinheiro seria possível acumular durante determinado período. Porém, numa forma posterior do capitalismo as organizações flexíveis são facilmente decompostas e redefinidas, o incremento tecnológico e a organização em redes inauguram uma nova forma do homem se organizar no tempo e de estabelecer as suas relações familiares. Cria-se um contexto social cujas condições materiais não dão lugar (nem tempo) para o carácter se estruturar.
Assim, respaldados nas teorias anteriormente apresentadas, podemos analisar que os princípios individualistas e “separativistas”, voltados para a competição e desagregadores de laços afectivos duradouros, tanto familiares quanto sociais, inviabilizam e/ou dificultam a formação do carácter humano impondo exigências paradoxais na acção e no pensar humano.
Tatiana Colturato Festi - Graduanda do curso de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá e hoje graduada em Psicologia e Trabalho com Terapia Floral e Reiki.
Nota – Quando saquei o texto da net, este estava devidamente endereçado, mas ao tentar referenciá-lo de novo, a página já não existia, razão porque apenas localizei a respectiva (eventual) autora.

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