(per)Seguidores

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Sublinhando a denúncia da prática conspirativa na crise (IV)

É incorrecta a narrativa que os alemães contaram a si próprios de que a crise do euro teve a ver com o Sul a querer levar o dinheiro deles, diz Philippe Legrain, ex-conselheiro de Durão Barroso.
Isabel Arriaga e Cunha: Porquê? Será que a Comissão não percebeu?
A Comissão tem a reputação de não ter nem o conhecimento nem a experiência para lidar com uma crise destas. Foi esse o problema?
Philippe Legrain: Foram várias coisas. Claramente a Comissão e os seus altos funcionários não tinham a menor experiência para lidar com uma crise. Era uma anedota! O FMI é sempre encarado como a instituição mais detestada [da troika], mas quando foi juntamente com a Comissão à Irlanda, as pessoas do FMI foram mais apreciadas porque sabiam do que estavam a falar, enquanto as da Comissão não tinham a menor ideia. Por isso, uma das razões foi inexperiência completa e, pior, inexperiência agravada com arrogância. Em vez de dizerem “não sei como é que isto funciona, vou perguntar ao FMI ou ver o que aconteceu com as anteriores crises na Ásia ou na América Latina”, os funcionários europeus agiram como se pensassem “mesmo que não saiba nada, vou na mesma fingir que sei melhor”. Ou seja, foram incapazes e arrogantes.
A segunda razão é institucional: não havia mecanismos para lidar com a crise e, por isso, a gestão processou-se necessariamente sobretudo através dos Governos. E o maior credor, a Alemanha, assumiu um ponto de vista particular. Claro que isto não absolve a Comissão, porque antes de mais, muitos responsáveis da Comissão, como Olli Rehn [responsável pelos assuntos económicos e financeiros], partilham a visão alemã. Depois, porque o papel da Comissão é representar o interesse europeu, e o interesse europeu deveria ter sido tentar gerar um consenso de tipo diferente, ou pelo menos suscitar algum tipo de debate. Ou seja, a Comissão poderia ter desempenhado um papel muito mais construtivo enquanto alternativa à linha única alemã.
E, por fim, é que, embora seja politicamente fraca, a Comissão tem um grande poder institucional. Todas as burocracias gostam de ganhar poder. E neste caso, a Comissão recebeu poderes centralizados reforçados, não apenas para esta crise, mas potencialmente para sempre, que lhe dão a possibilidade de obrigar os países a fazer coisas que não conseguiram impor antes. É por isso que parte da resposta é também uma tomada de poder.

Sem comentários:

Enviar um comentário