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domingo, 11 de maio de 2014

Cada vez mais a “falta de ar” é mesmo por falta de dinheiro…

Os portugueses estão entre os europeus que mais sofrem de stress laboral e 15,6% da população têm mesmo sintomas de ansiedade.
Marta F. Reis
Praticamente todos os dias há novas pistas sobre uma tensão negativa na saúde. Ou, usando a expressão famosa da autora norte-americana Natalie Goldberg, desse “estado de espírito ignorante que pensa que tudo é uma emergência”. Das rugas ao cancro, revimos a matéria e falámos com especialistas. Embora ainda haja poucas conclusões definitivas, aprender a gerir as exigências do dia-a-dia pode diminuir alguns riscos. Parar para respirar e relativizar são as sugestões.
O que é o stress?
É a resposta natural do nosso organismo a uma ameaça, resume João Hipólito, psicólogo e professor da Universidade Autónoma de Lisboa. Quando é uma ameaça súbita, como desviar-se de um carro quando se atravessa a estrada, o organismo reage automaticamente com uma descarga hormonal que o prepara para “lutar ou fugir”, explica o psicólogo. “Por exemplo, a pupila dilata-se, aumenta a tensão muscular e os ritmos cardíaco e respiratório”, exemplifica Saul Neves de Jesus, professor da Universidade do Algarve e representante de Portugal na Sociedade Mundial para o Estudo do Stress e da Ansiedade – STAR. Quando há tempo, como perante uma exigência no trabalho que o corpo percebe da mesma forma como ameaça, a resposta vai depender das estratégias que se adoptam, que podem ser positivas, como manter o controlo, ou negativas, como o retraimento. Adrenalina, cortisol e noraepinefrina são as hormonas libertadas para a corrente sanguínea neste processo de resposta natural, que vão regular processos biológicos tanto a nível cognitivo como físico e emocional.
Qual a fronteira a partir do qual pode ser prejudicial?
O stress faz parte do nosso quotidiano, começa por sublinhar Neves de Jesus. A grande distinção é entre eustress e distress e acaba por ser pessoal. O eustress é o stress positivo, quando a resposta natural nos ajuda a lidar com os desafios e ao mesmo tempo nos permite aprender a mobilizar meios para o fazer e ganhar resistência para situações mais difíceis e exigentes. Já o distress, negativo, é o que se costuma chamar de stress e associar a malefícios. “Ocorre quando a exigência é muito elevada e está presente na vida do sujeito durante demasiado tempo, ultrapassando os seus limites de tolerância e resistência”. Nessas circunstâncias, e sobretudo quando se tornam persistentes (crónico) níveis elevados de hormonas do stress de forma continuada uma vez que o corpo não está preparado para eles.
Quais são os sintomas?
João Hipólito sublinha que os sintomas que mais assustam as pessoas ao ponto de por vezes se deslocarem a urgências são, por exemplo, taquicardia, hiperventilação – que “paradoxalmente dá um sentimento de falta de ar” – ou o sentimento de morte eminente. Saul Neves de Jesus acrescenta que dependem sempre de pessoa para pessoa e podem manifesta-se também em dores de cabeça, perturbações lombares, défice imunitário, hipertensão, diarreia. A nível emocional são comuns situações de irritabilidade e esgotamento. A nível cognitivo, dificuldades de concentração, aprendizagem e tomada de decisão. Já a nível comportamental muitas vezes há o recurso a substâncias.
O que faz cada uma das hormonas associadas ao stress?

Tem havido estudos, a maioria em animais, que sugerem que a adrenalina contribui para a aceleração do ritmo cardíaco, dificulta a digestão, contrai vasos sanguíneos e diminui a audição e a visão. A Noraepinefrina contribui para o aumento do ritmo cardíaco e pensa-se que afecta uma zona do cérebro responsável pela concentração, além de desviar o fluxo sanguíneo de áreas menos necessárias no momento de “luta ou fuga”. Já o cortisol aumenta a pressão nos vasos sanguíneos, os níveis de açúcar no sangue, enrijece artérias e induz a acumulação de gorduras. Os níveis elevados também já foram associados à osteoporose e perda muscular e enfraquecimento do sistema imunitário.
Há algum teste para perceber se estamos com níveis de stress elevados?
Há vários instrumentos de avaliação psicológica que nos permitem saber o nível de stress do indivíduo, sublinha Saul Neves de Jesus. Embora também existam testes fisiológicos, por exemplo para detectar níveis de hormonas como o cortisol na saliva ou sangue, Hipólito defende que o essencial é o exame clínico e encontrar um profissional compreensivo e com tempo para ouvir. “Um dos riscos é a pessoa começar uma peregrinação de profissional em profissional com uma lista mais ou menos longa de exames, que nunca são suficientes para o tranquilizar”, diz.
Quando devo consultar um profissional?
A sensação de pressão ou tensão constante devem fazer soar o alarme: actuar cedo pode prevenir o desenvolvimento de sintomas mais graves, defende Saul Neves de Jesus. Embora numa primeira crise seja provável a consulta de um médico, são os psicólogos e psicoterapeutas que costumam acompanhar casos de stress.
Afecta mais homens ou mulheres?
“Com a igualdade entre os géneros começa a ter pouco sentido fazer essa distinção”, diz Neves de Jesus, que considera ainda assim que actualmente as mulheres ainda são confrontadas com mais exigências do que os homens, pela sobrecarga na vida familiar e doméstica e por vezes a nível profissional, o que as torna mais vulneráveis. Uma diferença já apurada é que as mulheres tendem a procurar mais ajuda do que os homens. Um estudo publicado em 2010 na revista científica “NeuroReport” concluiu que níveis elevados de cortisol causados por uma situação de stress parecem reduzir mais a actividade cerebral associada a empatia nos homens do que nas mulheres, algo corroborado por um novo estudo publicado este ano e que poderá explicar o menor recurso a apoio por parte dos homens.
É verdade que o stress causa rugas e cabelos brancos? 
Os estudos sobre o assunto ainda não oferecem uma explicação definitiva. Níveis elevados de cortisol já foram associados a uma diminuição no colagénio, proteína essencial na renovação da pele, nomeadamente perante a exposição solar. Em relação aos cabelos brancos, já foi estabelecida uma relação entre stress e a redução da actividade de células chamadas melanócitos, que têm por função dar cor aos cabelos que nascem, ao longo da nossa vida, nos cerca de 100 mil folículos capilares que povoam a cabeça do ser humano. Por outro lado, as hormonas do stress já foram associadas a um aumento dos radicais livres, que se pensa serem um dos agentes catalisadores do envelhecimento no geral.
Causa úlceras?
Tem sido comum associar um aumento secreção de ácido no estômago, ou refluxo, em situações de stress crónico a úlceras, mas actualmente os autores dividem-se e pensa-se que estas lesões no estômago e intestino serão multifactoriais e terão como principal agente as bactérias. De qualquer forma, o stress parece ser um factor de descompensação em algumas pessoas com problemas gastrointestinais e inflamatórias como doença de Crohn ou artrite reumatoide. Os médicos reconhecem esta queixa mas dizem que cada caso é um caso, até porque o facto de se viver com uma doença crónica e em crise pode ser em si gerador de stress e não o contrário.
Stress engorda ou emagrece?
A relação entre o stress e a obesidade não é directa, dependendo muito dos comportamentos das pessoas quando se encontram em situações de stress, sublinha Saul Neves de Jesus. Há pessoas que, em situações de stress continuado adoptam comportamentos aditivos, como seja comer excessivamente. No entanto, outras há que perdem o apetite, podendo até emagrecer em situações de stress. Alexandra Bento, bastonária dos nutricionistas, corrobora que depende de indivíduo para indivíduo No caso das pessoas que tendem a comer mais, há estudos que apontam para uma maior satisfação na ingestão de alimentos com elevada densidade energética, ricos em açúcar e gordura, o que é um factor de risco para a obesidade.
Pessoas stressadas têm maior risco de ataque cardíaco?
Parece haver evidência nesse sentido, até pelo maior risco de hipertensão nos indivíduos com stress crónico e por haver casos clínicos de pessoas que após um choque, por exemplo de uma má notícia, têm um ataque cardíaco. Um estudo publicado esta semana na revista científica “Biological Psychiatry” conclui haver uma relação entre maior actividade cerebral durante o processamento de emoções negativas e aterosclerose, um factor de risco reconhecido de ataques cardíacos. Em suma: existem várias teorias mas a relação ainda não foi devidamente explicada.
É o maior risco de cancro?
Mais uma vez existem diferentes investigações que apontam nesse sentido, mas ainda é necessário aprofundá-las, defende Neves de Jesus.  No ano passado, uma equipa de investigadores ligou por exemplo a activação de um gene já associado ao stress ao processo de metastização. Mas se estes resultados não significam relações directas, há outros a apontar na direcção oposta. Uma investigação publicada em 2013 no “British Medical Journal” avaliou 5.700 cancros em 116.000  europeus e concluiu não existir relação entre níveis elevados de stress laboral e cancro. Sem certezas, uma eventual ligação até poderá estar no facto de o stress continuado poder conduzir a hábitos menos saudáveis como tabagismo, excesso de comida e álcool, comportamentos associados a diferentes cancros. “Actualmente existe uma tendência de pensar que pode haver uma relação, mas as bases ainda são muito pouco robustas”, resume o oncologista Jorge Espírito Santo.
Há relação entre stress e infertilidade?
“É reconhecida a infertilidade psicogénica, definida como aquela para a qual não se encontram razões somáticas, embora haja quem discorde desta noção”, explica João Hipólito, que adianta que a maioria das evidências tem surgido na prática clínica. “É frequente uma infertilidade desaparecer depois de um pedido de adopção, de uma psicoterapia, ou do nascimento de uma primeira criança por técnicas de procriação medicamente assistida.” Um estudo publicado em Março na “Human Reproduction” deu mais um passo: mulheres com níveis elevados de alfa-amilase, outro indicador biológico de stress que pode ser medido na saliva, têm menos 29% de probabilidade de engravidar durante 12 meses de relações desprotegidas em comparação com mulheres com níveis elevados deste enzima.
E menopausa precoce?
Parece também existir uma relação, embora haja dúvidas sobre se é de facto um factor de risco. Níveis de cortisol elevados podem levar a perturbações do ciclo menstrual e até causar menorreia e contribuir para a conversão acelerada de progesterona. Uma das teses é que ao desequilibrar  progesterona e estrogénio, mais próximo do final da idade fértil, pode apenas acelerar sintomas.
Qual a relação com o risco de doenças mentais, depressão ou mesmo demências?
“Situações de stress continuado que o sujeito não consegue resolver podem levar a esgotamento e perturbações mentais como a depressão”, sublinha Saul Neves de Jesus. No caso da doença de Alzheimer, as evidências são, por enquanto, pouco robustas. Em 2010, uma investigação publicada na revista científica “Brain” com base no acompanhamento de um grupo de mulheres durante 35 anos concluiu que o risco de demência parece 65% maior nas que reportaram períodos repetidos de stress na meia-idade. O stress pós-traumático também já foi associado a um aumento do risco de demência entre veteranos.
Qual é o melhor “remédio”?
É necessário avaliar cada sujeito e a sua situação de vida para poder ser ajudado a ultrapassar os sintomas e factores particulares do seu stress”, defende Neves de Jesus. Aprender a relativizar os  acontecimentos pode ajudar a prevenir, assim como adoptar uma postura de “optimismo realista”, diz. “Devemos procurar ter pensamentos adequados perante as situações em que nos encontramos e sobre nós próprios”. É porque a nossa resistência depende desse equilíbrio que a mesma situação tem um impacto distinto em diferentes pessoas, defende.
Há algum exercício recomendado?
Se o problema for a percepção de excesso de pressão no dia-a-dia, pode ajudar fazer listas de tarefas priorizadas. Perante o predomínio de pensamentos negativos, podem ser úteis momentos de reflexão em que se procura encará-los como transitórios e a valorizar momentos positivos. Um professor stressado com a indisciplina dos maus alunos pode pensar mais nos bons, exemplifica. Ou simplesmente fechar os olhos e imaginar que o pensamento negativo é um comboio que se aproxima e depois afasta pode ajudar. Dominar técnicas de respiração também é útil. É o caso da respiração abdominal, imaginando um balão a encher devagar e a esvaziar na barriga.
Existem alimentos que ajudem?
Alexandra Bento, bastonária da Ordem dos Nutricionistas, sublinha que há diferentes alimentos com propriedade anti-stress, sobretudo os ricos em vitaminas, minerais, antioxidantes ou gorduras saudáveis. Um aminoácido importante é o triptofano, exemplifica. “Esta molécula é precursora da síntese de um neurotransmissor, a serotonina, que exerce a sua função a nível dos receptores do sono e do relaxamento, sendo por isso importante no alívio da ansiedade, depressão e dores de cabeça”, diz. Alimentos como soja, banana, alga, peixe, leite, frutos secos e hidratos de carbono ajudam a aumentar os níveis cerebrais deste aminoácido.   
E beber um copo de vinho?
Se ajudar a descontrair, pode ajudar a aliviar temporariamente o stress, diz Neves de Jesus. Mas sempre com moderação. O álcool tem um efeito depressor da actividade cerebral. Aumenta os níveis do neurotransmissor ácido gama-aminobutírico (GABA), que tem um papel inibidor reproduzido em alguns ansiolíticos. Mas também reduz a actividade de outros como glutamato, necessários para uma boa saúde mental e níveis de energia, que ajudam a enfrentar as exigências do dia-a-dia.
E medicação ou massagens?
“Tudo o que possa ajudar o sujeito a descontrair, sobretudo dando-lhe prazer, pode ser importante”, diz Neves de Jesus. Alguns estudos têm mostrado resultados da meditação na redução de stress e mal-estar em doentes crónicos e profissões de maior risco de esgotamento como professores.
Quais são os erros mais comuns?
“Um dos principais erros é querer resolver o stress através do controlo total das situações”, defende Neves de Jesus. “Cada vez mais é difícil prever e controlar o que acontece na nossa vida, pois há muitos factores em jogo. Querer controlar tudo, de forma quase obsessiva, só aumenta o nível de stress.”

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