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domingo, 1 de abril de 2012

O que Nuno (matemático) Crato também não entende…

Em Bombaim, no Instituto Indiano de Tecnologia, milhares de jovens faziam fila para ver alguns robôs em ação, entre os quais um dos meus pintores. Quando finalmente chegavam perto, era raro aquele que não colocasse uma questão, quase sempre bastante pertinente, sobre a forma de funcionamento ou qualquer detalhe técnico. Muitos tomavam notas das minhas respostas. Mas havia uma pergunta que surgia com destacada frequência. "What's the application?", ou seja, para que serve isto? Estudantes numa das melhores escolas de engenharia do mundo, não lhes escapava o sentido prático das coisas. Daí a deceção e, por vezes, o espanto gravado na face, quando eu respondia que servia para fazer arte. Arte? e isso serve para quê? Não entendiam.
Alguns ficaram de tal modo entre o fascinado e o perturbado que nos próximos dias regressavam, ora para tentar perceber melhor, ora para me dar conselhos sobre aplicações possíveis. Um achava que o robô podia ser útil a desenhar padrões para a indústria têxtil, outro que ele podia fazer testes de qualidade usando sensores apropriados. Quanto à arte, era mais complicado. A combinação engenheiro e indiano, numa sociedade onde a representação é praticamente toda figurativa, fazia com que eles não entendessem o interesse de uma pintura abstrata. Kandinsky ou Pollock não lhes diziam muito.
Também penso que a arte não serve para nada. Pelo menos, se pensamos em coisas úteis ou práticas. A sua função não se coloca ao nível funcional, mas cognitivo. A arte serve para explorar a imaginação e a inteligência para além daquilo que é tido como razoável. Serve para fazer as experiências loucas e as combinações impossíveis.
Ora, esse processo é fundamental quando se pensa na tão propalada inovação. O próprio conceito é claro. Inovar é fazer algo que nunca se fez. O que implica muita ousadia não só ao nível do pensamento como no terreno da experimentação. Cada inovação é resultado de milhares de fracassos. Mas são estes que informam os mecanismos de geração do novo. Ou seja, são os erros e os fracassos que criam o campo a partir do qual a inovação pode emergir.
Daí que, por todo o mundo, mesmo as escolas de ciências e engenharias se vão abrindo ao contacto com as práticas artísticas, de modo a entenderem e aproveitarem os seus mecanismos de criatividade, fundamentalmente experimentais, sem objetivo claro e, em suma, inúteis.
Vem isto a propósito das recentes mudanças promovidas por Nuno Crato no nosso ensino secundário. Choca-me em particular que se termine com as aulas de Educação Visual e Tecnológica, já que estas apontavam precisamente para a tão necessária aproximação entre artes e tecnologias. O regresso à velha separação das duas culturas terá como resultado que aqueles que seguirem a via tecnológica não terão conhecimentos no campo do artístico e, por isso, terão menos capacidade de inovação, enquanto os que seguirem para as artes estarão limitados a reproduzir velhas e conservadoras formas de realização da arte alheias do mundo em que vivemos. Quando por toda a parte se promove o encontro, por cá decreta-se o afastamento. É um erro que as gerações futuras pagarão caro.
Tanto mais que, perante a avalanche asiática, à Europa pouco mais resta, como vantagem competitiva, do que a sua cultura de liberdade e rebeldia, assente numa mistura de saberes e práticas que provaram ser o motor de uma constante capacidade de inovação. Apesar da impressionante e muito qualificada produção de cérebros, na Índia e na China, os níveis de inovação ainda são bastante baixos quando comparados com a Europa e os Estados Unidos. E isso deve-se exatamente à qualidade de um ensino que, mais do que produzir reprodutores, promove a singularidade dos criadores.
É por isso lamentável que em Portugal o preconceito ideológico e a visão conservadora de uma escola "à antiga", com as suas disciplinas nucleares (conceito obsoleto), um claro retrocesso ao aluno papagaio e essa reacionária separação entre bons e maus alunos, atirem o nosso ensino e os seus alunos para uma crescente irrelevância. Limitando, desse modo, e muito a sua capacidade de serem fazedores no mundo que aí vem.
Leonel Moura

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