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quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Investimentos angolanos em Portugal (2/2)

Segunda parte da investigação do “Médiapart” sobre os bastidores das compras angolanas na ex-metrópole, na qual se descobre que os laços estreitos entre os políticos portugueses de todos os quadrantes e a ex-colónia não têm a ver com a “autocensura” dos órgãos de comunicação e da justiça portuguesa, e também da UE, quanto à origem nalguns casos duvidosa desses capitais.
Além de Isabel dos Santos, outros “empresários” angolanos fazem as suas compras em Portugal, como por exemplo o general “Kopelipa”, um ministro influente em Luanda, que investiu nos vinhos e em bancos da antiga metrópole. Em todos os casos, o princípio é idêntico: tirando partido de relações privilegiadas com o Presidente, estes homens e estas mulheres fizeram fortuna em condições duvidosas em Angola e adquirem ativos portugueses importantes, no contexto da aceleração da crise em Portugal.
“Portugal desempenha um papel estratégico para o poder angolano: permite à elite económica e política garantir uma escapatória, em caso de mudança de regime, pois uma parte das suas riquezas está armazenada em Portugal. Mas é também um país que serve de ‘lavandaria’ para os capitais angolanos duvidosos”, resume Jorge Costa, do Bloco de Esquerda (oposição), que, no princípio do próximo ano, vai publicar um livro sobre “os proprietários angolanos de Portugal”.
Um relatório, publicado em 2011 pela ONG Global Witness, analisa as contas – especialmente pouco transparentes – da indústria petrolífera de Angola. Conclui designadamente que existe uma diferença de nada menos de 87 milhões de barris de petróleo, no total da produção do ano de 2008, entre os registos elaborados pelo Ministério do Petróleo e os do Ministério das Finanças… Um exemplo entre outros das deficiências institucionais, que podem favorecer o desvio de dinheiros públicos.
Um debate tabu
Apesar da dimensão das manobras, o debate quase não agita a cena portuguesa. O caso das “desculpas diplomáticas” de Rui Machete praticamente não o afetou e o interessado acabou por escapar à demissão. “Todos os dirigentes políticos portugueses, do poder e da oposição, mantiveram laços com as forças angolanas, dos dois lados do conflito”, explica Pedro Rosa Mendes.
Originalmente de filiação marxista-leninista, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) aderiu à Internacional Socialista em 2003. Mantém portanto ligações estreitas com os comunistas e os socialistas, mas também as mantém com os sociais-democratas (direita) portugueses hoje no poder. “O MPLA soube sempre adaptar-se à situação, ao longo de gerações, e mudar de alianças consoante a evolução da conjuntura geopolítica”, acrescenta Pedro Rosa Mendes.
Segundo Jorge Costa, desde o regresso de Portugal à democracia, em 1974, 26 ministros e secretários de Estado portugueses ocuparam ou continuam a ocupar cargos em empresas angolanas, depois de terem exercido cargos públicos. O atual primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, passou uma parte da infância em Angola. A imprensa portuguesa especula igualmente sobre a existência de um “lóbi angolano” no interior do Governo, constituído por vários ministros que, na infância, viveram em Luanda.
Outra explicação para a fraca intensidade deste debate é quase tabu: alguns empresários começaram a comprar órgãos de comunicação portugueses, que, de repente, tendem e evitar o assunto. É o caso de Álvaro Sobrinho, um empresário de Luanda com grande visibilidade em Lisboa, que, através da sua holding Newshold, adquiriu ativos com prestígio no setor dos jornais em crise. Comprou na totalidade o semanário Sol e o diário i, ao mesmo tempo que adquiria ações de grupos que publicam outros títulos, como os semanários Visão e Expresso.
Há também a ter em conta a “autocensura”, segundo a expressão de Lisa Rimli, de uma parte do mundo económico, em especial das PME portuguesas, que têm medo de perder mercados de exportação, se o debate sobre os capitais angolanos se intensificar. Resumindo: a gravidade da crise proporciona a desculpa ideal para não se olhar com atenção para a cor do dinheiro.
Aqueles que, ainda assim, se atrevem a criticar na praça pública esta chuva de investimentos, correm o risco de serem rotulados de “racistas” ou de “neo-colonialistas” por Luanda. “Sou anticolonialista por convicção”, tem o cuidado de precisar Daniel Oliveira, jornalista do Expresso, na abertura de um texto no qual denuncia o silêncio que rodeia os investimentos angolanos no país.
A cumplicidade da Europa
Se o mal-estar domina em Lisboa, há outras instituições que brilham pela ausência. Quanto a este assunto, a Europa mantém-se muda. Marcolino Moco, antigo primeiro-ministro angolano que se tornou um dos mais ferozes adversários de José Eduardo dos Santos, interrogou-se recentemente sobre os silêncios da União Europeia: “Para preservar os seus interesses económicos em Angola, a Europa fecha os olhos a todas estas práticas abusivas.”
Para a deputada europeia socialista Ana Gomes, a Europa será mesmo cúmplice desta operação: “A austeridade e os programas de privatizações que a Europa exige a Portugal tiveram por efeito agravar a dependência do país relativamente a Angola. A Europa não só não diz nada, como ainda empurra mais nessa direção!”
Seja como for, não é de esperar uma reação da Comissão Europeia, antes das eleições europeias do próximo ano. O seu presidente desde 2004, José Manuel Durão Barroso, foi um dos primeiros-ministros portugueses mais próximos do regime de José Eduardo dos Santos. Em 2003, visitou Luanda acompanhado por 10 dos seus ministros. Na qualidade de presidente da Comissão, efetuou uma visita de 2 dias a Angola, em abril de 2012, para reforçar a cooperação da UE com o Governo de Luanda.
Barroso foi inclusive um dos convidados especiais do casamento, em 2003, de outra filha do Presidente angolano, Tchizé dos Santos. Esta última, mais discreta do que a sua meia-irmã Isabel, acaba aliás de comprar 30% de uma empresa portuguesa de embalagem de frutas.
Fim

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