Ao pedir ao Tribunal Constitucional que examine novamente o orçamento de 2013, o Presidente português corre o risco de mergulhar o país numa crise política, alerta um politólogo. O povo terá portanto a responsabilidade de escolher o remédio para a crise económica.
Cristina Sampaio
|
Ao optar pela posição intermédia, ou seja, promulgar o Orçamento, mas solicitando a sua fiscalização sucessiva pelo Tribunal Constitucional, o Presidente da República não se terá apercebido por inteiro de que tal decisão, a seu ver salomónica, poderá significar mais do que o fim de linha para o Governo de Pedro Passos Coelho – um verdadeiro descarrilamento.
As olheiras ministeriais
Na verdade, se o Tribunal Constitucional declarar que as 3 normas que suscitam dúvidas ao Presidente da República são, efetivamente, inconstitucionais, o executivo terá de encontrar forma de arranjar os cerca de 1,3 mil milhões de euros previstos como receita por essas medidas, sob pena de não conseguir cumprir o seu programa, afinal a chave que tem permitido o financiamento do país decorrente do memorando assinado com a troika [FMI-BCE-UE]. Isto é: as famosas tranches por cuja chegada as Finanças Públicas suspiram, como as olheiras ministeriais se encarregam de provar.
Ora, reside aí o problema! De facto, conhecido que é o peso incomportável do fardo fiscal que já se abate sobre os atuais contribuintes e sendo certo que as medidas agora implementadas – e que advogo corretas – para combater a economia paralela não se traduzem em resultados imediatos, melhor, resultados para ontem, onde é que o Governo poderá arrecadar essa verba?
Infelizmente, a resposta não andará longe daquela que Passos Coelho, que tanto porfiou para chegar ao poder, menos gostaria de ouvir, ou seja, o comboio terá de se ficar por onde está e o Governo não terá aonde ir buscar mais receita.
Transferir para o povo a solução do problema
Assim sendo, muito provavelmente pouco mais restará a Pedro do que regressar para junto de Laura [a sua mulher] – preço a pagar pela familiaridade da mensagem natalícia [partilhada no Facebook] -, apresentar o pedido de demissão a Cavaco Silva e deixar nas mãos deste a resolução do problema.
Solução que poderá passar por um maior protagonismo cavaquista – nomeação de um Governo de iniciativa presidencial a lembrar as experiências de Ramalho Eanes – ou pela convocação de eleições antecipadas, como forma de transferir para o povo, mesmo que a contragosto deste, a chave do problema.
Não sendo garantido que, no caso de serem chamados a exercer prematuramente o direito de voto, os eleitores viabilizem uma solução maioritária unipartidária e sendo claro que a instabilidade governativa não garante a continuação das tranches necessárias ao cumprimento das obrigações do Estado, poucas dúvidas restam de que não será apenas Pedro Passos Coelho a sofrer as consequências desta crise. Porque Cavaco Silva, tão criticado pelos seus silêncios, acabou por falar tarde e a más horas, num discurso a tender para o ambivalente, e a oposição alternativa, já com o poder no horizonte, privilegiou os interesses próprios em desfavor do interesse nacional.
Por isso, o país, com os olhos postos na realidade grega, já se apercebeu de que, mais do que a condenação da política do atual Governo, o que está em causa é o fim do modelo ou desta forma de fazer política em português.
A persistência nas salas e nos corredores do poder de uma classe política menor e sem visão do interesse nacional – a míngua de vozes encantatórias – encarregou-se de colonizar a Política pelo Direito. Portugal desagradece!
Debate - As propostas do FMI respeitam a Constituição?
“FMI deita mais achas para a fogueira constitucional” escreve o Público um dia após o Jornal de Negócios ter divulgado alguns pormenores sobre o documento de 80 páginas enviado ao Governo português pelo FMI, no qual este sugere uma lista de cortes permanentes nos salários, nas pensões e nos empregos do setor público.
Estas medidas vão muito provavelmente atiçar ainda mais os debates sobre a Constituição no país, realça o jornal, que falou com dois especialistas na área. Ambos consideraram essas reformas “inconstitucionais”: o corte permanente de 15% na totalidade das pensões, o pagamento do 13º e 14º mês dependente do crescimento do PIB, o aumento da idade da reforma de 65 para 66 anos, a nova fórmula de cálculo para os atuais e futuros reformados e os cortes salariais permanentes na função pública.
No seu editorial, o Público escreve que “o documento do FMI, diga-se, aponta em duas direções diferentes. Por um lado, mostra que os grupos de interesses fizeram com que a despesa pública promovesse a desigualdade e como a ineficiência do Estado penaliza o cidadão. Mas, por outro, o grosso do que tem a propor são despedimentos e cortes salariais na função pública ou cortes nas pensões e reformas. E, aí, o debate volta a um ponto onde já estivemos: de que falamos realmente quando falamos de "gorduras" do Estado? A conversa é séria, e incontornável.”
Sem comentários:
Enviar um comentário