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domingo, 6 de janeiro de 2013

Já só se vê fumo, mas há quem diga que não há fogo…

1. Há quem tenha dito que Cavaco Silva tomou uma posição salomónica, outros acusaram-no de ter lavado as mãos como Pilatos, outros ainda denunciaram uma certa esquizofrenia discursiva na mensagem de Ano Novo do Presidente da República. Numa coisa todos parecem estar de acordo: Cavaco Silva, para não variar, tentou salvaguardar a sua posição. Não a instituição Presidência da República, de que é temporariamente titular, mas o político Cavaco Silva, o que nunca se engana e raramente tem dúvidas, que adivinha sempre o que vai acontecer e que depois não se esquece de nos lembrar as suas previsões.
"Mas pode ser um ano em que se comece a alterar a tendência negativa que se verifica na produção nacional e no emprego, um ano em que o clima de confiança melhore e o investimento comece a crescer." Isto disse-nos Cavaco Silva logo depois de pré-anunciar a inconstitucionalidade de normas do Orçamento, de declarar as opções governamentais anteriores pouco menos que catastróficas (as tais opções baseadas no Orçamento de 2012 que promulgou e em que não viu inconstitucionalidades), de afirmar que estamos em plena espiral recessiva, de lembrar o desemprego criado e as falências provocadas, e, obviamente sendo o remédio para o ano o mesmo com a dosagem reforçada, tratou de nos prevenir que tudo vai piorar. Ou seja, não há maneira de o homem se enganar: se correr mal, ele avisou; se correr bem, ele tinha feito essa previsão. Extraordinário.
Mas afinal não, Cavaco Silva não salvaguardou a sua posição. Não conseguiu sacudir a água do capote. Cavaco, mais que tudo, não resolveu o seu problema. E o seu problema não é o Orçamento, não é o de decidir pela fiscalização preventiva ou sucessiva, vetar ou não politicamente o diploma, abrir uma crise ou não. O seu problema é de credibilidade. Cavaco Silva, enquanto Presidente, já cometeu demasiados erros, já disse demasiadas vezes "eu não disse?", já brincou demasiadas vezes ao "passa ao outro e não ao mesmo" para que se possa confiar nele. O que será, será; a única certeza é que nada acontecerá pela mão dele. Ele irá sempre na enxurrada das circunstâncias. O problema é se não é a sua própria presidência a ir na enxurrada.
2. O Presidente promulgou o Orçamento do círculo vicioso, o da espiral recessiva, o que vai criar desemprego e falências, o que tem inconstitucionalidades, porque não quer somar à crise económica e social uma crise política. É assim: este Orçamento e a política que está a ser prosseguida estão a matar o País, não me parece que seja possível tirar outra conclusão das palavras do Presidente, mas destruir o tecido económico, atirar a classe média para a miséria, criar um exército de desempregados que não voltarão a ter a possibilidade de trabalhar, fazer regredir o Estado social 40 anos, forçar uma geração inteira a emigrar, não é o pior que nos pode acontecer. Grave, grave, era uma crise política.
É provável que Cavaco Silva tenha um entendimento muito restrito do que é uma crise política assim, e reduza o conceito a uma eventual queda do Governo. Resta a pergunta: se temos uma crise económica e social, se o caminho anunciado é igual ao já trilhado, como é que se sai disto? Esperamos que não haja economia nem paz social? Nessa altura, de facto, as coisas não poderão piorar mais, o Governo já pode cair, pode então haver uma crise política. É assim, não é?
3. Se o Tribunal Constitucional declarar a inconstitucionalidade das normas que o Presidente da República lhe remeteu só ao Governo poderão ser assacadas responsabilidades, a rigorosamente mais ninguém. Quem as propôs foi o Governo, contra, aliás, a esmagadora maioria dos constitucionalistas e ao arrepio do que parece ser a doutrina do tribunal espelhada na deliberação sobre o último Orçamento.
O pior que podia acontecer era termos um Governo a culpar o Tribunal Constitucional ou a própria Constituição por não conseguir implementar as medidas que acha certas. Se assim for não estaríamos só perante uma afronta ao Tribunal ou uma simples manobra de vitimização. Era muito mais grave: teríamos o primado da lei em causa. Era o próprio Estado de direito que o Governo estaria a atacar.
Pedro Marques Lopes

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