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domingo, 6 de janeiro de 2013

Preconceitos étnicos e preceitos antipedagógicos

Os filhos de imigrantes costumam ter notas escolares mais baixas do que os seus colegas. A causa não é genética, como alguns pensam. Estudos indicam que preconceito e exclusão podem causar danos permanentes em capacidade cognitiva.
Lydia Heller
Cor de pele diferente é igual a origem diferente, que é igual a características humanas diversas: essa equação representa um equívoco muito comum.
"Ela sempre foi simples demais para ser verdade", diz Andreas Heinz, diretor da clínica de psiquiatria e psicoterapia do Hospital Universitário Charité, em Berlim. Ele abana a cabeça, divertido, ao contar sobre a médica dos seus filhos: de pele e olhos escuros, ela tem um filho "selvagem", considerado criança-problema na escola. "Para a maioria das pessoas, estava logo claro: o pai devia ser turco ou árabe", lembra. A suposta origem estrangeira era usada como possível justificação de todos os problemas comportamentais do menino. "Só que o pai é médico e alemão", rebate Heinz.
Livro controverso
Há algum tempo, voltaram à moda as teorias que relacionam o desempenho económico de determinado país ao rendimento dos seus habitantes em testes de QI, o qual, por sua vez, seria determinado pelas características genéticas comuns.
A suposta relação entre inteligência e etnia passou a ser discutida acaloradamente em programas de entrevista, cadernos de cultura e conversas de café há 2 anos, depois do lançamento do controverso livro Deutschland schafft sich ab (A Alemanha extingue-se a si mesma, em tradução livre).
Na sua obra, o político social-democrata berlinense Thilo Sarrazin prediz para o país um futuro sombrio, devido ao seu pouco sucesso na área da educação e à incapacidade de integrar os imigrantes turcos e muçulmanos. Sarrazin atribui o rendimento escolar das crianças com tais origens – de facto, mais fraco – à suposta herança do "equipamento intelectual de seus progenitores".
Importância do fator social
"De facto, os genes desempenham um papel central no desenvolvimento da inteligência", concorda o médico Andreas Heinz. No entanto, destaca que um grande número de estudos também prova uma influência "bastante dominante" do meio ambiente sobre a capacidade intelectual dos indivíduos.
O desempenho de pessoas de origens e meios sociais distintos em testes de inteligência depende, portanto, do ambiente humano à sua volta. Estudos realizados nos Estados Unidos na década de 70 demonstraram que crianças negras adotadas por famílias brancas registaram uma melhoria significativa nos seus testes de QI, comparadas com outras crianças brancas e negras.
Segundo o recenseamento Mikrosensus 2011, os descendentes de imigrantes correspondem a 62% dos habitantes da Alemanha sem o 3.º ciclo concluído, e apenas cerca de 20% dos que obtêm o Abitur (Secundário), certificado que dá acesso à universidade.
"Diferentes pesquisadores procuraram muitas vezes as causas para esse facto nas especificidades étnicas ou culturais, sobretudo de turcos e árabes", critica o especialista em ensino Coskun Canan, da Universidade Humboldt, de Berlim.
Mulheres à frente na ascensão educacional
No entanto, examinando-se de perto os descendentes de turcos, constata-se que a falta de conclusão do 3.º ciclo é mais frequente entre os de mais idade. Embora o rendimento escolar dos mais jovens continue inferior ao daqueles sem histórico de imigração, é bem melhor do que o da geração dos seus pais.
As jovens nascidas na Alemanha são o principal motor dessa melhoria nas estatísticas educacionais: cerca de 1/3 alcança a universidade ou a habilitação para uma carreira técnica, e a tendência é ascendente. É certo que, entre as mulheres sem origem estrangeira, quase metade, alcança um grau educacional superior, mas as gerações anteriores também já apresentavam um perfil educacional mais elevado.
"As alemãs descendentes de famílias turcas são o carro-chefe de todo o grupo", comenta Coskun Canan, "acreditamos que elas vão puxar os homens consigo". Os homens de origem turca, que tendem a estagnar no tocante à ascensão educacional, precisarão de correr atrás das mulheres, se quiserem casar-se dentro do próprio grupo étnico.
Estereótipos com vida própria
"Contudo, preconceitos também desenvolvem vida própria", adverte Coskun Canan. Uma vez colocadas no mundo, assertivas como "turcos são refratários à integração" geralmente levam os que são assim descritos a, pouco a pouco, adaptar-se a elas. Os sociólogos denominam esse efeito stereotype threat – ameaça através de estereótipos.
Quando um professor não espera do aluno de origem turca o mesmo rendimento dos outros, está a sabotar as chances de desenvolvimento desse estudante. "Se, por exemplo, a criança se encontrar entre os conceitos escolares 'satisfatório' e 'bom', o professor possivelmente só lhe dará uma nota satisfatória", explica Canan.
Ou, se o professor acredita que o aluno não conseguirá mesmo chegar à Realschule, que dá uma qualificação mais alta, então, ao entrar no nível médio, só obterá uma recomendação para a menos promissora Hauptschule. Deste modo, estereótipos são perpetuados por todos os envolvidos, e potenciais permanecem sem ser explorados.
Exclusão pode causar alterações cerebrais e genéticas
"Tais vivências de discriminação possivelmente se refletem diretamente no nível neurológico e podem prejudicar as capacidades cognitivas de forma permanente", afirma Andreas Heinz. Experiências com animais mostraram que a exclusão causa stresse e deixa marcas no cérebro.
"Pode-se medir isso perfeitamente, no modelo animal", aponta Heinz. Quando um espécime agressivo assedia a cobaia, o sistema hormonal liberta substâncias relacionadas ao stresse, como a serotonina, responsável pela comunicação entre as hormonas, mas também associada à depressão.
Os níveis da hormona dopamina, ligada à aprendizagem, são também fortemente alterados. Isso pode resultar em modificações cerebrais, possivelmente até mesmo herdáveis pelas gerações seguintes.
Heinz e a sua equipe pesquisam atualmente no Hospital Charité se mecanismos semelhantes ocorrem da mesma forma no cérebro humano. Pretende determinar se o stresse social também desencadeia certas reações bioquímicas nos seres humanos.
Será que, deste modo, genes responsáveis pelo grau de inteligência são ativados ou bloqueados? Será que a exclusão acaba por manter o rendimento intelectual dos atingidos abaixo do seu potencial genético? Seria essa reação ao stresse até mesmo hereditária? O psiquiatra Heinz acredita isso seja possível.
Uma coisa é certa, desde já: a exclusão social através de expectativas negativas é danosa. Por isso, deve-se incentivar tudo o que favoreça o desenvolvimento da inteligência, desde a competência linguística até à alimentação saudável. "A pior coisa que pode acontecer é ser-se classificado na gaveta dos incapazes", alerta Andreas Heinz.

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