Estudos indicam que pessoas que nasceram e cresceram em centros urbanos são mais propensas a transtornos mentais. Nova área do conhecimento, o neuro-urbanismo, pode ajudar a melhorar o planeamento das grandes cidades.
Lydia Heller
Barulho, trânsito, lixo, pessoas apressadas e empurrando-se por todos os lados – a vida nas grandes cidades é stressante. Mas as perspetivas de um emprego melhor, um salário mais alto e de um estilo de vida urbano atraem cada vez mais pessoas às cidades. Se há 60 anos menos de 1/3 da população mundial vivia em cidades, hoje mais da metade mora em centros urbanos. Até 2050, a estimativa é que essa cota atinja 70%.
"Com o aumento das populações urbanas, o número de distúrbios psíquicos também tem aumentado em todo o mundo", alerta Andreas Meyer-Lindenberg, diretor do Instituto Central de Saúde Mental de Mannheim. "Só a depressão custa aos cidadãos europeus 120 mil milhões de euros por ano. O custo de todas as doenças psíquicas juntas – incluindo demência, ansiedade e psicose – ultrapassa o orçamento do fundo de resgate do euro. A frequência e a gravidade dessas doenças costumam ser subestimadas", afirma.
Solidão e doenças
Em 2003, psiquiatras britânicos publicaram um estudo sobre o estado psicológico dos moradores do bairro londrino de Camberwell, uma área que teve um grande crescimento desde meados da década de 1960. Entre 1965 e 1997, o número de pacientes com esquizofrenia quase dobrou – um aumento acima do crescimento da população.
Na Alemanha, o número de dias de licença médica no trabalho relacionada a distúrbios mentais dobrou entre 2000 e 2010. Na América do Norte, recentes estimativas apontam que 40% dos casos de licença estão ligados à depressão.
"Nas cidades pode acontecer as pessoas não conhecerem os seus vizinhos, não conseguirem construir uma rede de apoio social como nas vilas e pequenas cidades. Elas sentem-se sozinhas e socialmente excluídas, sem uma espécie de rede social de segurança", observa Andreas Heinz, diretor da Clínica de Psiquiatria e Psicoterapia no hospital Charité, em Berlim.
Quase não existem estudos consistentes sobre a influência do meio urbano no cérebro humano. Mas pesquisas com animais mostram que o isolamento social altera o sistema neurotransmissor do cérebro. "Acredita-se que a serotonina é um neurotransmissor importante para amortecer situações de risco. Quando animais são isolados socialmente desde cedo, o nível de serotonina diminui drasticamente. Isso significa que as regiões que respondem a estímulos ameaçadores são desinibidas e reagem de maneira mais forte, o que pode contribuir para que o indivíduo desenvolva mais facilmente distúrbios de ansiedade ou depressões", diz Heinz.
A vida urbana transforma o cérebro
Um dos primeiros estudos feitos com seres humanos parece confirmar essa suposição. Com ajuda de um aparelho de ressonância magnética, a equipe do psiquiatra Andreas Meyer-Lindenberg analisou o cérebro de pessoas que cresceram na cidade e de pessoas que se mudaram para a cidade já adultos.
Enquanto os voluntários resolviam pequenas tarefas de cálculo, os pesquisadores colocavam-nos sob pressão, por exemplo criticando que eles eram muito lentos, cometiam erros ou que eram piores que os seus antecessores.
"Olhamos especificamente para as áreas do cérebro que são ativadas quando se está stressado – e que também tem um desenvolvimento distinto, dependendo da experiência urbana que a pessoa teve. Especialmente as amídalas cerebelosas reagiram ao stress social, e de maneira mais intensa quando o voluntário vinha de um ambiente urbano. Esta região do cérebro está sempre ativa quando percebemos algo como sendo uma ameaça. Elas podem desencadear reações agressivas que podem gerar transtornos de ansiedade", explica Meyer-Lindenberg.
Além disso, quem cresceu na cidade grande apresentava, sob stress, em regiões específicas do cérebro, uma atividade semelhante à apresentada por pessoas com predisposição genética para a esquizofrenia.
Pesquisa melhora planeamento urbano
Em todo o mundo, as cidades estão a crescer muito e transformando-se. "Mas não existem ainda dados significativos de como uma cidade ideal deve ser quando se leva em consideração a saúde mental dos seus habitantes", observa Meyer-Lindenberg.
Por isso, o especialista desenvolveu, em colaboração com geólogos da Universidade de Heidelberg e físicos do Instituto de Tecnologia de Karlsruhe, um dispositivo móvel que pode testar voluntários em diversos pontos de uma cidade. Assim, os pesquisadores podem testar o funcionamento do cérebro em lugares e situações diferentes, como num cruzamento ou num parque.
Juntamente com posteriores análises do cérebro dos voluntários, os pesquisadores esperam obter dados mais concretos de como o cérebro processa os diferentes aspetos da vida quotidiana nas cidades.
Os resultados dessa pesquisa poderão ser de grande valor para a arquitetura e o planeamento urbano, afirma Richard Burdett, professor de estudos urbanos da London School of Economics. Para ele, o neuro-urbanismo, uma nova área do conhecimento que estuda a relação entre o stress e as doenças psíquicas, pode ajudar a evitar a propagação de doenças psíquicas nas cidades.
"Os planeadores urbanos precisam ter em mente que devem encontrar o equilíbrio entre a necessidade de organizar muitas pessoas em pouco espaço e a necessidade de se criar espaços abertos", acrescenta.
"As pessoas precisam ter acesso a salas de cinema, encontrar-se com amigos e passear nas margens dos rios. Hoje esses aspetos são, muitas vezes, ignorados quando novas cidades são planeadas na China ou na Indonésia. Os arquitetos preocupam-se com as proporções e as formas, e os urbanistas, com a eficiência do transporte público. Mas muitas vezes não temos ideia do que isso faz às pessoas."
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