Hoje - 17- 4 -2012 - no Público alguns ex-ministros da cultura do PS tomam uma série de posições sobre o actual Grau Zero da Cultura, como afirma Manuel Maria Carrilho. Toma-se aqui cultura na sua acepção restrita, ou seja, no sentido dos consumos de actividades culturais e artísticas e não referindo, por exemplo a cultura dos aborígenes, ou os conflitos ou interacções multi ou inter-culturais entre os europeus e os emigrantes provenientes de diversas outras "culturas" ou ainda entre as diversas culturas do mundo - duas acepções muito diversas do termo portanto. Pude afirmar em tempos que quando se fala (ou falava) de cultura em Portugal falava-se das políticas públicas para a cultura, ou seja, de orçamentos, de dinheiro e, não propriamente, de arte. Esta distinção separa as práticas individuais ou colectivas - as artes - da forma como o poder político encara e financia (ou subfinancia) as artes a cargo do Estado.
Radica nesta diferença uma eventual explicação para a perplexidade que Isabel Pires de Lima expressa em relação ao actual silêncio dos agentes culturais no espaço público.
Segundo a ex-ministra hoje "não há abaixo-assinados, vigílias, nem sequer virulentos artigos de opinião". Tem sido, de facto, prática recorrente durante os governos do Partido Socialista um grau de mobilização por parte de grupos de artistas, sobretudo na área do teatro, da dança e do cinema - mais do que na música, é certo - de contestação feroz de cada vez que os subsídios do estado são reduzidos, uma tendência forte na maior parte dos países da Europa, e em alguns outros casos. Os media escritos gostam de ocupar as suas páginas com essas problemáticas, com as divergências face a nomeações para teatros, com as substituições de directores de Fundações, ou de directores artísticos etc.
Este tipo de temática - o exercício do poder na área cultural - e o seu debate público surge portanto e fundamentalmente face à ocupação de cargos de poder nas instituições culturais e à distribuição de subsídios do estado às várias expressões artísticas dependentes em larga medida do apoio do Estado.
Tendo reduzido o orçamento de forma brutal, tendo desqualificado simbolicamente a cultura com a passagem para secretaria de Estado, o actual governo procede nesta área às políticas semelhantes a outras que envolvem a acção do Estado, aplicando a vulgata neoliberal conhecida: “reduzir a acção do Estado ao mínimo sempre que possível”.
Desta política resulta, por um lado, uma desmoralização geral das populações e, por outro lado, uma desmoralização específica nas áreas das actividades culturais e artísticas. Estando a política cultural do Estado reduzida a um grau zero simbólico, o desaparecimento da contestação no espaço público, sendo surpreendente à primeira vista, na verdade corresponde a um redobrar sobre si-mesmo sempre latente nessas práticas. A aparente capacidade de intervenção pública contestatária desaparece - não há lugares para distribuir, não há subsídios para atribuir - porque surge uma espécie de efeito darwinista de sobrevivência individual que cala os contestatários habituais e, eventualmente, é reduzido o seu espaço público de intervenção. Penso que este segundo aspecto, a verificar-se, é totalmente secundário em relação ao primeiro. É o próprio colectivo - colectivo de interesses comuns mas temporários - que se desagrega, enquanto colectivo, para assumir a tentativa de soluções individuais, sempre latente entre os artistas.
A nossa "arte" - seja qual for - é um produto de acção individual, de projecto individual, de ambição solitária e, por vezes, bem pouco solidária. Nunca houve, apesar das aparências reunidas em torno da ideia simples de que "a arte é importante para a vida das pessoas", grande acordo muito para além deste postulado elementar. A tribalização das artes, a pulverização em múltiplas tendências e o resultado da ideologia pós-moderna individualista, construída passo a passo desde os anos 1980 - os anos de Cavaco aqui, de Thatcher ali, etc. - concluiu o "salve-se quem puder" actual que, por sua vez, produz o silêncio. Se o partido socialista regressar ao poder - como se vislumbra a possibilidade em França - e se poderá verificar daqui por alguns anos em Portugal, iremos reencontrar os manifestos, os abaixo-assinados actualmente sem assinaturas, os combates pelas direcções das instituições. A consciência, talvez lúcida, deste processo, impede-me, tanto de ter participado nas contestações ou nas vigílias, aparentemente "colectivas", anteriormente habituais, como de me remeter a um silêncio individual agora. Na verdade a minha participação tem sido dispensável nesses colectivos. As preocupações que exprimo não são as mesmas dos colectivos, diferem mesmo em certos aspectos fundamentais. A sua eventual heterodoxia produz o meu isolamento tanto antes como agora. "Who cares?" Assim sendo, compreendo o apelo à sociedade civil de Carrilho embora tenha dúvidas - está bem de ver - sobre a sua eficácia.
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