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terça-feira, 17 de abril de 2012

A Madeira (re)vista de fora, visitada por gente de fora…

Com uma população de apenas 250.000 habitantes, a ilha turística portuguesa da Madeira tem uma dívida de 6 mil milhões de euros, legado da longa e excêntrica governação do presidente regional, Alberto João Jardim.
Aninhada no sopé dos enormes penhascos da costa atlântica ocidental da Madeira, fortemente fustigada pelas tempestades, a Marina do Lugar de Baixo, de 50 milhões de euros, tinha como objetivo proporcionar uma receção perfeita a iates de superluxo. Infelizmente, devido às grandes ondas que fraturaram o paredão do porto por 3 vezes desde que foi construído, em 2005, nem os navegadores mais temerários foram tentados a entrar, muito menos os multimilionários de passagem em palácios flutuantes. Hoje, está abandonada, com uma corrente a bloquear a estrada por onde Roman Abramovic poderia ter circulado, e o edifício branco do clube vazio.
Tão espetaculares como os quebra-ondas ao largo de Lugar de Baixo são, no entanto, as vagas de dinheiro da União Europeia que se têm espraiado por toda a Madeira, uma ilha de domínio português, mais conhecida pelo vinho doce e o sol de inverno. Apesar de a marina ter sido financiada principalmente pelo governo regional madeirense, semi-autónomo, 3,5 milhões de euros vieram de Bruxelas, que, como os demais patrocinadores, não deram ouvidos às advertências de que um trecho de costa popular entre surfistas da pesada podia ser menos ideal para receber iates.
Da mesma forma, no complexo próximo – Frente Mar da Madalena, com passeio marginal e restaurante –, onde uma placa enferrujada assinala 1,2 milhões de euros da UE, os empreendedores negligenciaram o risco de desprendimento de rochas da falésia. Isto até que um pedregulho abriu um buraco no telhado do restaurante, há 2 anos, a partir do que também ele tem estado vazio.
Dívida profunda como as águas do Atlântico
Porém, o verdadeiro buraco é o que o desenvolvimento desenfreado, apoiado por dinheiros públicos, abriu nas finanças da ilha, que se transformou numa estância de férias semelhante às Ilhas Canárias, mais ao sul. A Madeira está hoje atolada numa dívida tão profunda como as águas do Atlântico que a rodeiam. Apesar de uma população de apenas 250.000 habitantes, a administração regional deve cerca de 6 mil milhões de euros, com uma dívida pública per capita de quase o dobro de Portugal continental.
A crise financeira, que só veio à tona no passado outono, é extremamente embaraçosa para os dirigentes de Lisboa, que já tiveram, eles próprios, de negociar um empréstimo de 78 mil milhões de euros com Bruxelas e o FMI.
"A Madeira é como a Grécia no Atlântico", declara Gil Cana, conselheiro do Partido da Nova Democracia, de oposição na Madeira. Bebendo café numa praça do Funchal, a amena capital da Madeira, Cana parece tão relaxado como os idosos turistas britânicos e alemães que vagueiam por ali, agradados com a reputação de ilha tranquila e sem jovens agressivos. No entanto, traz no bolso uma lata de gás pimenta e, quando sai à noite, leva uma pistola Browning 0,25, de que tem licença de porte, para proteção pessoal. É que na pequena comunidade de residentes permanentes da Ilha da Madeira, ser politicamente sincero pode ter consequências. Cana foi espancado 2 vezes, queimaram-lhe o bar e vandalizaram carros da sua família. Aponta o dedo a seguidores do presidente regional, Alberto João Jardim, de 69 anos, que governa a ilha desde 1978, o que o torna um dos mais perduráveis dirigentes eleitos da Europa.
O presidente corta fitas

Numa reminiscência inflamada dos dias da ditadura portuguesa de Salazar, para a qual em tempos redigiu propaganda, a popularidade de Jardim foi cimentada – literalmente – pelos milhares de milhões que gastou no desenvolvimento da ilha, a qual, no final da ditadura em Portugal, em 1974, era uma região estagnada, fustigada pela miséria. Hoje, uma estrada de 120 quilómetros e uma rede de túneis ligam comunidades anteriormente isoladas na montanha, reduzindo de 4 horas para apenas 1 o contorno das suas íngremes encostas vulcânicas.
Mas a maior parte do dinheiro provém de subsídios da UE, no valor de 2 mil milhões de euros, distribuídos ao longo dos últimos 25 anos. Quando essa fonte começou a secar, há uma década, Jardim começou a contrair empréstimos no mercado, através de empresas de desenvolvimento com apoios públicos.
Assim, a construção continuou, até ao ponto de hoje até pequenas aldeias possuírem luxuosos centros cívicos, piscinas e campos de futebol. Como o jornal regional estatal, o Jornal da Madeira, conscienciosamente relata, o presidente corta fitas em cerca de 450 cerimónias de inauguração por ano, utilizando-as para fazer comícios políticos, onde denuncia os seus inimigos em longos discursos.
Escala para o Velho Continente e o Novo Mundo
"Acusou-me de ser comunista, marxista e membro da Opus Dei, entre outras coisas", suspira Michael Blandy, presidente do Grupo Blandy, membro de uma poderosa comunidade de negócios inglesa que se instalou na ilha há 200 anos, quando a posição da Madeira nas rotas comerciais a tornava uma escala técnica obrigatória tanto para o Velho Continente como para o Novo Mundo.
Hoje em dia, para além de produzir vinho da Madeira, Blandy possui o principal jornal independente da ilha. "O presidente Jardim é, pessoalmente, uma personagem razoável e fez em tempos muito bom trabalho em prol do desenvolvimento", acrescenta Blandy, ao mesmo tempo que se queixa de concorrência desleal do Jornal da Madeira – que recebe 3 milhões de euros por ano de fundos públicos. "Por volta de 2000, quando o dinheiro de Bruxelas se tornou mais escasso, assistimos ao início de uma contabilidade mais criativa, quando Jardim criou empresas para construir ainda mais estradas e campos de golfe com dinheiro emprestado. Está tudo completamente fora de controlo."
Enquanto um porta-voz da Comissão Europeia insistia que havia "muitos bons projetos cofinanciados pela União Europeia na Madeira", a chanceler alemã, Angela Merkel, selecionava recentemente a ilha como um exemplo de como não gastar os fundos comunitários de desenvolvimento regional. Jardim respondeu às críticas à sua gestão financeira no seu estilo tipicamente combativo, descrevendo Merkel como "ignorante". Essa retórica populista cai bem no público madeirense, que voltou a votar nele em outubro passado, para mais um mandato de 4 anos, embora com 48% dos votos, o seu pior resultado em 33 anos.

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