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sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A língua portuguesa é mesmo muito traiçoeira…

O QUE É... PERIPATÉTICO
É seguir o exemplo de Jesus: ensinar caminhando.
Numa das empresas em que trabalhei, fazia parte de um grupo de treinadores voluntários.
Éramos coordenados pelo chefe de treino, o professor Lima, e tínhamos até um lema: "Para poder ensinar, antes é preciso aprender" (copiado, se bem me recordo, de uma literatura do Senai).
Um dia, reunimo-nos para discutir a melhor forma de ministrar um curso para cerca de 200 funcionários. Estava claro que o método convencional - botar todo mundo numa sala - não iria funcionar, já que o professor insistia na necessidade da interação, impraticável com um público daquele tamanho. Como sempre acontece nestas reuniões, a imaginação voou longe do objetivo, até que, lá pelas tantas, uma colega propôs usarmos um trecho do Sermão da Montanha como tema do evento. E o professor, que até ali estava meio quieto, respondeu de primeira. Aliás, pensou alto: - Jesus era peripatético...
Seguiu-se uma constrangida troca de olhares, mas, antes que o hiato pudesse ser quebrado por alguém com coragem para retrucar a afronta, dona Dirce, a secretária, interrompeu a reunião para dizer que o gerente de Recursos Humanos precisava falar urgentemente com o professor. E lá se foi ele, deixando a sala à vontade para conspirar.
- Não sei vocês, mas eu achei esse comentário de extremo mau gosto - disse a Laura.
- Eu nem diria de mau gosto, Laura. Eu diria ofensivo mesmo - emendou o Jorge, para acrescentar que estava chocado, no que foi amparado por um silêncio geral.
- Talvez o professor não queira misturar religião com treino - ponderou o Sales, que era o mais ponderado de todos. - Mas eu até vejo uma razão para isso...
- Que é isso, Sales? Que razão?
- Bom, para mim, é óbvio que ele é ateu.
- Não diga!
- Digo. Quer dizer, é um direito dele. Mas daí a desrespeitar a religiosidade alheia...
Cheios de fúria, malhamos o professor durante uns dez minutos e, quando já o estávamos sentenciando à fogueira eterna, ele retornou. Mas nem percebeu a hostilidade. Já entrou a falar:
- Então, como ia dizendo, podíamos montar várias salas separadas e colocar umas 20 pessoas em cada uma. É verdade que cada treinador teria de repetir a mesma apresentação várias vezes, mas... Por que me estão a olhar desse jeito?
- Bom, falando em nome do grupo, professor, essa coisa aí de peripatético, veja bem...
- Certo! Foi daí que me veio a ideia. Jesus se locomovia para fazer pregações, como os filósofos também faziam, ao orientar os seus discípulos. Mas Jesus foi o Mestre dos Mestres, portanto a sugestão de usar o Sermão da Montanha foi muito feliz. Teríamos uma bela mensagem moral e a deslocação física... Mas que cara é essa? Peripatético quer dizer "o que ensina caminhando".
E nós ali, encolhidos de vergonha. Bastaria um de nós ter tido a humildade de confessar que desconhecia a palavra, que o resto concordaria e tudo se resolveria com uma simples ida ao dicionário. Isto é, para poder ensinar, era preciso aprender antes. Finalmente, aprendemos.
Duas coisas. A primeira é: o facto de todos estarem de acordo não transforma o falso em verdadeiro. E a segunda é que a sabedoria tende a provocar discórdias. Mas a ignorância é quase sempre unânime.
Artigo escrito por Max Gehringer publicado na Revista VOCE SA.

2 comentários:

  1. Era também a forma de Sócrates, o filósofo, ensinar!!

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  2. Félix da Costa
    E de Aristóteles e do Vítor Gaspar, embora este seja mais paraopatético...

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