O QUE É... HIPOCRISIA
É representar um papel, tendo em conta as prioridades pessoais.
Fábula à grega em dois atos.
Cena um: o Gafanhoto tenta convencer a Aranha de que um colega de trabalho dos dois, o Camaleão, é um hipócrita diplomado.
- Esse Camaleão é um fingido, Aranha. Sempre a mudar de cor conforme a ocasião.
- Mas essa não seria só a natureza dele, Gafanhoto? Ele não foi criado desse jeito?
- Nada! Antigamente, ele fazia o mesmo que nós, dava duro para levar a vida. Depois, virou esse artista em tempo integral, sempre escondido atrás de disfarces e artimanhas.
- Mas por que ele faria isso?
- Para tirar proveito da situação. Ele fica ali, na moita, com aquela cara inofensiva, mas, na primeira oportunidade, abocanha os descuidados.
- Puxa, é verdade. E eu, que passo horas a tecer a minha teia, no maior capricho...
- E eu, que fico pulando de um lado para outro sem parar? É por isso que vivo stressado. Se me distraio, o Camaleão solta a língua e pega-me.
- É mesmo. Se você não me abre os oito olhos, eu nunca teria pensado nisso.
- Porque você é singela e bem-intencionada. Sabe como se chama o que o Camaleão está a fazer? Competição desleal no ambiente de trabalho!
- Faz sentido. Você é um sábio, Gafanhoto.
- Obrigado, Aranha. Mas o importante é que não podemos, nunca, confiar no Camaleão.
- Será que não haveria um jeito de o neutralizar? Bom, para benefício mútuo, eu acho que tenho um plano infalível.
- Tem?
- Tenho. Escute...
Intervalo: se os antigos gregos não tivessem inventado as fábulas, a democracia e a filosofia (e, ademais, sacado que a soma do quadrado dos catetos era igual ao quadrado da hipotenusa), ainda assim eles teriam entrado para a história pela sua habilidade para criar palavras. Como "hipotenusa". Ou "hipocrisia", termo que significa "abaixo da decisão". Hipócrita, no teatro grego, era a maneira como o povo se referia ao ator que representava sem nunca tomar decisões sobre o texto. E o seu talento estava em convencer a plateia de que ele não era ele mesmo, mas sim aquele personagem ali no palco. Milénios se passaram e não surgiu melhor palavra para definir os hipócritas modernos, que continuam tão dissimulados como os seus ancestrais. A diferença é que os hipócritas evoluíram. Agora, eles criam os seus próprios diálogos. Por isso, no palco corporativo, a sobrevivência profissional depende da sensibilidade para identificar os personagens que estão a contracenar connosco. O Stressado, que ninguém aprecia muito, pelo menos é sincero ao manifestar os seus sentimentos. O que nem sempre é o caso do colega aparentemente bem-intencionado, em quem depositamos toda confiança e para quem abrimos o nosso coração.
Cena dois: o Gafanhoto aproxima-se para escutar o plano da Aranha. E enrosca-se na teia.
Imediatamente, ela o pica e começa a embrulhá-lo para o almoço.
- O que está a fazer, Aranha? Nós não somos colegas e parceiros?
- Não leve a mal, meu caro Gafanhoto, mas esta é a lei aqui da selva: boa intenção é uma coisa e prioridade pessoal é outra...
Artigo escrito por Max Gehringer publicado na Revista VOCE SA.
Colossal e muito atual!
ResponderEliminarmaria
ResponderEliminarHoje quase que é pecado dizer colossal, mas que o Max Gehringer tem uns textos muito certeiros e assertivos tem. Vou publicando mais alguns, porque o povo gosta...
Bfs